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Crítica: Cartas Para Um Ladrão de Livros

Leia-me se for capaz

Por Fabricio Duque


Exibido no Festival do Rio 2017, o documentário “Cartas Para Um Ladrão de Livros”, de Carlos Juliano Barros e Caio Cavechini, “rouba” a cena ao contar de forma humanizada e espirituosa os porquês do “maior ladrão brasileiro de livros raros”, Laessio Rodrigues de Oliveira, um indivíduo inteligente e perspicaz, que investiu toda sua vida em “colecionar”, ilegalmente, os maiores sucessos literários da História.

“Cartas Para Um Ladrão de Livros” busca uma tradução dos motivos de Laessio, um ser-ator que interpreta seus causos e suas “vitórias”. A narrativa cria uma mise-en-scène por aceitar, com propósito ingênuo, as encenações de seu personagem, retratado por câmeras de segurança, que conversa em inglês para “despistar”, que “poupa as palavras para se comunicar”, e que “aquele do seleto grupo que tem algo a dizer”.

O documentário mostra o agora (o precisar do alvará ordem de saída – papéis que definem sua soltura; e policiais com rostos embaçados), mas conta o passado, à moda de “Prenda-me se for Capaz”, de Steven Spielberg, por cartas escritas das “bichas presas” (como uma maneira confessional – muitas a seu “marido” preso). A presença da câmera deixa todos simpáticos e com seus “quinze segundos de fama”.

“Cartas Para Um Ladrão de Livros”, pelo perfil figurativo de um “cara comum” e seu gosto pela literatura, é também uma crítica social ao Estado que não protege suas obras raras, muito porque nivela por baixo a inteligência de seu povo, desacreditando em seus refinamentos intelectuais. Quando um desgarra-se do rebanho, então fragilidades e rachaduras são expostas, deixando desnudado o próprio protetor que deveria proteger.

O documentário é também sobre uma “profissão”, uma oportunidade “jeitinho” de sobreviver e “vencer financeiramente na vida”. “Ter dinheiro e estar preso ou ser solto e estar ferrado?”, questiona-se. Aqui é sobre contar sua trajetória, é sobre fazer a diferença, de não ser mais um na multidão. O filme insere arquivo geral, depoimentos e curiosidades.

“Cartas Para Um Ladrão de Livros” traça as causas de sua obsessão, como uma análise terapêutica, que se iniciou pela paixão arrebatadora por Carmem Miranda. O primeiro roubo, uma revista a uma obra de um milhão de dólares, que estimulou o querer da continuação e despertou a “ideia de quem realmente era”, principalmente pelo “coração acelerado dos batimentos cardíacos”. Outro ponto que o documentário levanta é a do egoísmo individualista. Ter a obra só para si, impedindo qualquer outro de poder conferir.

Laessio, “prova por ser culto”, e orgulhoso do que faz, seguiu a vida de “crimes”, mesmo abandonado pelos amigos que não queriam ser considerados cúmplices. Ele não tinha ambição na vida. “A bicha aprontou tanto que deixou uma marca. Ele nunca foi mau, era apenas muito informado”, diz-se. “Hoje só coleciono notas de cem dólares com series diferentes”, faz graça. Famoso por aparecer na televisão, no Jornal da Globo, por exemplo, deixou pistas que fizeram “a casa cair”.

É abusado por acreditar no próprio “dom talento”. É viciado. Em roubar. É um “ladrão de obras de artes, igual aqueles filmes que passam na televisão”. Laessio é humano, orgânico, carente e preconceituoso. Os presos, “lixo do ser-humano”. Sobre o marido Leandro: “ele é divino e maravilhoso, o bofe sabe ler e escrever, e isso já me basta”. “Não tenho ética, tenho regras minhas”, diz, tanto que entra em contradição quando não aceita “doar os próprios órgãos”.

Laessio “mutila as obras” e acha de “bom grado retirar do Estado”. Um prazer. O espectador infere a “Santiago”, de João Moreira Salles, pela semelhança com o tema abordado de figuras cultas podadas à margem da sociedade.
“Cartas Para Um Ladrão de Livros” é sobre uma paixão. Que devasta a alma, como uma droga em abstinência em que o viciado sente a comichão da primeira dose ao entrar, por exemplo, no Gabinete Português de Leitura, no Centro do Rio de Janeiro. É a versão masculina de “A Menina que Roubava Livros”, de Brian Percival. É a inversão Robin Hood, de roubar dos ricos para proveito próprio, como alimento desenfreado ao excêntrico vício acumulador. É uma adrenalina, um êxtase impregnante e uma força “inenarrável” do que “sente na hora”. É um “orgasmo”, ficando em “polvorosa”. É um “momento de insanidade”.

Laessio, emblemático e encantador, de amor e ódio, furtou arquivos do Itamarati e pregou peças nos ladrões (“cem anos de perdão”) com “garrafas de mijo e livros desinteressantes”. É muito mais que dinheiro, é “valor histórico”. O Estado organiza leilões para “legalizar” os furtos e suas “peripécias levemente criminosas”. Tem “vaidade em ser referência”. Um “Al Capone” glamourizado. A cadeia é “babado, gritaria e confusão” e polícia “não enxuga gelo”. “Cadeia não mete medo”, diz. “Virar filme é o fim da picada”, finaliza.

“Cartas Para Um Ladrão de Livros” é um filme sobre um vício que encontrou na ilegalidade uma razão para existir. Um propósito de que o impossível era possível. Um orgulho de Laessio Rodrigues de Oliveira de ter se tornado o que se tornou. De um ex-ajudante de pizzaiolo em São Bernardo do Campo, SP, que estampou diversas vezes o noticiário policial por uma série de crimes curiosos: ele era maior ladrão de livros raros do Brasil. Depois de comandar o esquema até de dentro da cadeia, o fã incondicional de Carmen Miranda decide contar tudo de cara limpa.

4 Nota do Crítico 5 1

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