Curta Paranagua 2024

Crítica: Cabras de Merda

Relevância Histórica

Por Filippo Pitanga

Durante o Cine Ceará 2018


O segundo longa-metragem da mostra competitiva no 28º Festival Cine Ceará foi o chileno “Cabras de Merda” de Gonzalo Justiniano, um filme sobre a ditadura de Pinochet na década de 80 que talvez tivesse passado despercebido pela curadoria de outros Festivais caso não se comunicasse tão bem com a situação atual de medo e insegurança sentida no Brasil atualmente. O aumento da violência e a interferência do governo e do exército na vida civil perigam mais uma vez ameaçar não apenas o nosso país como os dos Hermanos latinos, com grave ascensão do conservadorismo reacionário. O filme “Cabras de Merda” se constrói de forma bastante tradicional e simplória, começando pelo final, onde os personagens maquiados a parecer mais velhos já indicam quem irá sobreviver aos relatos do filme quando a narrativa volta no tempo para relatar os fatos na ordem cronológica.

A cena inicial irá até mesmo parecer um pouco solta por boa parte da projeção, e, mesmo quando retorna, não será trabalhada a contento. Uma pena. Até porque isto não é spoiler, mas um aviso de que o melhor do longa está em seu recheio, na verdade, em uma personagem específica, Gladys, muito bem defendida pela atriz Natalia Aragonese. É sua personagem quem dará credibilidade ao desenvolvimento narrativo, mesmo que outras coisas em torno do filme pequem em alcançar o mérito gerado por ela. Evidentemente, há sim pequenos acertos a cercar sua protagonista, como o personagem mirim do garotinho de óculos desproporcionais para seu rosto de inocência, como se enxergasse além do que sua idade poderia aparentar. Um menino-revelação para a história, que física e essencialmente lembra muito o personagem-título do filme também chileno-espanhol “Machuca” de Andrés Wood, mas que aqui na sua versão por analogia em “Cabras de Merda” não alcança o grau de complexidade possível, talvez justamente por estar lá como escada para Gladys (Natália).

Provavelmente, algo que é um fator bastante negativo se dá com o co-protagonista que fará um inevitável par romântico desnecessário para Gladys, interpretado por Daniel Contesse, no papel de um americano que vai levar a palavra do Senhor bem no meio do arrocho da ditadura chilena. Mal encaixado e pouco desenvolvido, e ainda interpretado com certa canastrice inadaptada para a situação bilíngue e de dualidade cultural em que se encontra, Daniel não consegue acertar o tom, e o que poderia e deveria ser mais platônico entre ele e a protagonista, acaba quase sequestrando as cenas executadas com mais eficiência quando envolvem a personagem dela no meio ativista dos revolucionários perseguidos pelos militares – sob risco de suas próprias vidas. O tom leviano que muito do romance carrega, ao invés de intensificar quaisquer perdas que possam advir do roteiro no elenco, sem querer querendo só apazigua e distancia a noção de perigo que uma realidade destas pode causar. Infelizmente, realidade esta de perseguição e censura que nós brasileiros andamos sentindo cada vez mais crescente, e que faz comunicar de forma mais íntima os acertos do filme como se valessem ainda mais do que seu crédito no interior da soma final.

Esteticamente também não agrega muito, apesar de tentar construir certas estéticas próprias para cenas temporalmente distintas, como o início que começa a projeção no futuro de alguns dos personagens no memorial pelas vítimas e desaparecidos da ditadura, ou no passado, como um filme de época meio careta e sem inspiração própria, apesar de tentar inovar nas fotografias em sépia que o personagem de Daniel vai tirando ao longo do filme (fotografias que podem parecer inovadoras na imagem, porém que no conteúdo acabam mal encaixadas e usadas de forma empobrecida.

Mas é Natalia a grande estrela solar do filme, de modo a nos conduzir de forma hipnótica por toda a construção de sua personagem emancipada e vanguardista para seu tempo, uma precursora feminista que não temos como saber o quanto pode ter sido influência direta da atriz na composição do roteiro ou não, já que apenas o diretor/roteirista assina os créditos finais nas funções supracitadas. Um filme que prende em seu recheio de tensão carregada nas costas da protagonista, mas que, infelizmente, no cômputo final, poderia passar mais despercebido se não fosse o impacto das analogias com o presente vivido na realidade contemporânea.

2 Nota do Crítico 5 1

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