António Um Dois Três
Preguiças em processo de construção à maturidade
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2017
A arte cinematográfica é dotada em sua essência de uma pluralidade existencial, de múltiplas possibilidades de condução e de traduções diversas. Cabe a cada realizador, com suas ideias, proporcionar ao espectador esta viagem à ficção e ou realidade ao mundo de outras pessoas e suas vidas. Todas as histórias são importantes são importantes e devem ser contadas. E inevitavelmente, toda arte já nasce pretensiosa, cabendo, também, a este realizador, a proeza e façanha de escolher seu caminho. É a lei do livre arbítrio. Portanto, muitos elementos são conjecturados para que o tom atmosférico seja reverberado. Nós lidamos com essa numerosidade quando assistimos a um filme. Nem toda pretensão é negativa, porque, mais uma vez, cada realizador absorve referências das obras de outros realizadores. Sim, tudo é uma intensa homenagem de afinidades pululantes. Este preâmbulo serve para traçar análises sobre “António Um Dois Três”, de Leonardo Mouramateus, estreante em um longa-metragem.
O filme, exibido no Festival de Roterdã, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2017, e que integra a mostra competitiva da Nona Semana Festival de Cinema, ex-Semana dos Realizadores, radiografa como um estudo de caso a geração “perdida” nas “preguiças” de um jovem português (acordado “aos berros”), que busca a maturidade do escolher (os diálogos e as ações o mantém no “abuso do viver” – lembrando o curta-metragem “Mamata”, de Marcus Curvelo) para construir a responsabilidade em se tornar um adulto. É um “filho que não funciona”.
“António Um Dois Três” traduz-se por uma estética consumida em uma narrativa contemplativa resiliente que corrobora uma inquietude urgente. São experimentações da própria vida em formatos visuais, como a tela quadrada e ou as próximas paradas das viagens de trens. A metáfora é utilizada como direção e como referências ao universo cinematográfico de Portugal (principalmente ao cotidiano “fantasma” de poesia coloquial do cineasta João Pedro Rodrigues e ao humor de sarcasmo inocente que perpassa todos os personagens representados da vida real – “Quer café? Se pagares” – em que moedas são contadas para dividir um café), visto que a trama acontece em Lisboa.
É um filme de instantes singulares. De planos longos e estendidos. De permitir vivenciar consequências que o acaso proporciona. De passar o tempo respeitando o tempo do próprio tempo. No telhado. Nos jogos de mímica. Nos banhos de banheira. Nas conversas sobre a Rússia. Nos encontros, desencontros , chegadas e partidas. Nas fitas VHS perdidas em que músicas são descobertas e ouvidas (“I put a spell on you, because you’re mine”). Pulando de “lar em lar” em casas de amigos (e assim António se “sente em casa”).
“António Um Dois Três”, por uma fotografia nostálgica e bucólica de se observar barcos passando, é acima de tudo sobre a urgência. Sobre “moedas ao futuro”. De querer a resolução para “ontem” de todos os questionamentos universais pela óptica individualista. É sobre a utopia de ser jovem. De acreditar em tudo e em sonhos incondicionais. De brincadeiras “estúpidas” e sem noção. De pretensões gratuitas e ingênuas estranhezas (que interagem fisicamente), como contar histórias e olhar à câmera.
É também metalinguagem, porque fala de atores em um teatro interpretando a si mesmos, com afetação e ou performance. Busca o proposital quando sobe um tom, quando os olhos encenam com efeitos clichês. Tudo é teatro e criação da peça. O que é real e o que é ficção? É sobre as expectativas dos atores (“artistas arrogantes” e “insuportáveis”) de “estrear” em grande estilo com “camisa da Marvel”. Mas que converte Euro para Real.
“António Um Dois Três” é uma fábula à moda de “Acossado”, de Jean-Luc Godard. Uma parábola do “aprender a perder” em tempos repetidos. Esta repetição aprisiona público mitigando a surpresa do vir e assim mergulha em um tom “overeacted” em brigas patéticas para com propósito e objetivo mostrar a infantilidade destes jovens que brincam de ser adultos. É um filme “Peter Pan”, que não quer crescer. Que se pauta nos perdidos limites do personagem. E desta forma traça um perfil in loco e “mea culpa” destes passionais indivíduos em construção.