O Despertar da Força
Por Fabricio Duque
“Amok”, do diretor estreante na direção de um longa-metragem, Vardan Tozija (do curta-metragem “The Man in the Habit of Hitting Me on the Head with an Umbrella”), que integra a mostra competitiva da edição 2017 do Festival Internacional Lume de Cinema, e que não tem nada com o filme turco homônimo de 1934 de Fyodor Otsep, é, acima de tudo, uma crítica ao sistema do Centro de Adoção Juvenil na Macedônia, cujos órfãos, desistentes da “esperança”, resignados na falta de expectativa, “esquecidos” da sociedade, manipulados (inclusive por policiais que “deturpam” provas em interrogatórios) e conduzidos por “maiorais”, estão à margem em um universo sem lei, tratados como “lixo”, “ratos imundos”, precisando sobreviver a um mundo hostil e cruel, e que encontram na rebeldia de suas “juventudes transviadas” “não sensatas” a fuga existencial de serem lembrados (ainda que pela ilegalidade em pequenos delitos típicos adolescentes à moda de “Os Incompreendidos”, de François Truffaut – como “espiar garotas” – esta mais para “Porky’s – A Casa do Amor e do Riso“, de Bob Clark, mas sem humor caricato), sofrendo “bullying”, picardias e imposições agressivas.
A narrativa busca conjugar a atmosfera do tunisiano Abedalif Kechiche (“A Esquiva”) com a ambiência seca e direta da estrutura do cinema romeno (por exemplo, “Child’s Pose”, de Calin Peter Netzer) com a sinestesia de “Kinatay”, de Brillante Mendoza, com a temática à moda de “De Cabeça Erguida”, de Emmanuelle Bercot. Aqui, não se busca “consertar” estes “delinquentes”, mas sim jogá-los em uma teia sem volta ao esquecimento, aos esquemas dos “escrotos”, subornos, tudo reverbera a não salvação, apenas aprofundar seus “afogamentos” em um meio pós-apocalíptico de paredes pichadas por uma fotografia saturada a um sépia realista, descolorada, bruta, orgânica e concretista.
“Amok”, que pode ser traduzido por “cólera” ou “alteração comportamental ao ódio”, vem da República da Macedônia, um país balcânico, que até o ano de 1991 integrou a Jugoslávia socialista. Sem litoral, faz fronteira com o Kosovo ao noroeste, com a Sérvia ao norte, com a Bulgária ao leste, com a Grécia ao sul e com a Albânia a oeste. Talvez, este parágrafo possa explicar o medo e a “impotência” de seu povo perante um poderio superior dos “donos da terra”, quase à moda de um faroeste moderno, como “A Qualquer Custo”, de David Mackenzie. O filme, uma parábola realista de “estrelas-do-mar”, pode ser aglutinado pelo espectador como um grito na garganta que encontra a vingança destes “garotos perdidos não-normais” em uma versão “Dogville”, de Lars von Trier, de ser. “Eu não conheço todas elas (as “estrelas-do-mar”), mas fiz diferença com esta aqui”, diz um professor humanista que tenta ensinar o humanismo de se “ajudar ao próximo”. “E um rato? Em que lugar jogaria para se sentir melhor?”, questiona um “aluno aberração”, que tem em sua jornada “abuso sexual”, humilhação e “aula radical” em um clandestino “clube da luta”.
Porém, é quando “Amok” busca a suavização com gatilhos sentimentais (música dramática incidental, o gatinho, a planta) para humanizar seu protagonista Phillip (o ator Martin Gjorgoski), defendendo suas ações, estímulos “cobaias” alheios à vontade (inserção ao vício, à violência e consequências de revidar os maus-tratos, despertadas pelo “tratamento de choque invertido” à moda de “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, que o filme perde ritmo em sua narrativa. Mesmo com a premissa de ter “ganho” uma “oportunidade” (não tão favorável assim aos olhos moralistas) de salvação e sobrevivência, e da transmutação de um garoto a um homem (pela tormenta psicológica) para despertar o “animal assassino e obcecado”, mesmo com a metáfora do sistema que sofre da mesma técnica aplicada, ainda assim percebemos um receio de seu diretor de ir mais fundo em sua crítica.
Phillip tem duas opções. Permanecer em sua submissão resignada e “se recompor”. Ou lutar em uma vingança sem limites, sem regras, passional, libertadora, que desperta inclusive nossa raiva e nosso gosto “por sangue”. Nós somos confrontados à ogros sem ética no ensinamento passado do “olho por olho, dente por dente”. Sua vingança é sua catarse, seu passaporte para transpassar obstáculos perigosos da vida. Um filme parábola pontual que nos passa a mensagem cirúrgica de que “nem todos os ratos são esmagados”.