Divertido e moderadamente engajado
Por Pedro Guedes
Durante o Festival do Rio 2018
A julgar pelo seu título, “A Queda do Império Americano” pode parecer uma obra muito mais complexa, grandiosa e tematicamente profunda do que é de fato. Sim, o filme conta com um protagonista cheio de ideais sócio-econômicos que vão contra o status quo do governo, levanta alguns questionamentos que refletem a luta de classes e – sem spoilers – de vez em quando flerta com aquela ideia robinhoodiana de “roubar dos ricos para dar aos pobres”. Mas a grande verdade, porém, é que o longa realmente quer é fazer o espectador rir e diverti-lo por duas horas – e a boa notícia é que, mesmo se perdendo pontualmente ao estabelecer o tom da narrativa, o diretor e roteirista Denys Arcand é, sim, bem-sucedido no que se propõe a realizar.
Inspirado num incidente que ocorreu em 2010, quando duas pessoas morreram num tiroteio no bairro de Vieux-Montréal (em Québec), “A Queda do Império Americano” acaba funcionando como uma espécie de fim para uma trilogia até então composta por “O Declínio do Império Americano”, de 1986, e “As Invasões Bárbaras”, de 2003. A trama acompanha Pierre-Paul, um sujeito com PhD em Filosofia que trabalha dirigindo um caminhão de entregas. Depois de testemunhar um assalto onde parte dos criminosos foi morta e outra teve que fugir, deixando as bolsas de dinheiro para trás, o entregador resolve tomar o item roubado para si – o que, claro, desperta no espectador aquela velha indagação moral: ele deveria ou não ter se apropriado de um dinheiro que não era seu? A partir daí, no entanto, a vida de Pierre-Paul se complica cada vez mais, já que se transforma em suspeito imediato do caso ao mesmo tempo em que a gangue responsável pelo assalto pode persegui-lo a qualquer momento.
Contando com protagonistas que divertem justamente por serem tão incorretos, “A Queda do Império Americano” se sai particularmente bem ao construir seus personagens centrais: Alexandre Landry encarna Pierre-Paul como um homem fracassado que usa seu conhecimento em Filosofia para despistar para despistar sua falta de traquejo social, como se ser “culto” e “inteligente” compensasse sua total falta de noção a respeito de como proceder numa situação perigosa como aquela em que se encontra; Maripier Morin transforma Aspasie (uma prostituta que vai se tornando cada vez mais amiga de Pierre-Paul) em uma figura adorável e bem-humorada que leva o espectador a compreender o porquê do protagonista se afeiçoar a ela; e Rémy Girard se estabelece como o único capaz de guiar as ações de Pierre-Paul, mas sem perder o senso de humor que rende algumas das melhores piadas do filme.
Por outro lado, “A Queda do Império Americano” demora um pouquinho até conseguir encontrar o tom de sua narrativa: embora sua cena inicial seja bem-sucedida ao definir a persona do protagonista, o que vem depois disso oscila desajeitadamente entre a comicidade e o peso dramático de algumas passagens mais impactantes – e há uma sequência onde um assaltante é torturado, por exemplo, que soa chocante demais para um filme que, antes, estava se concentrando em piadas rápidas e eficazes. Além disso, Denys Arcand e o montador Arthur Tarnowski poderiam ter tomado um cuidado um pouco maior na hora de construir o ritmo da narrativa, que se torna mais longa do que precisava e se estende até atingir duas horas de duração (uns 20 minutos a menos teriam feito bem à obra).
Mas depois que o longa encontra seu caminho, ele engata e resulta em uma experiência divertida o bastante para compensar seus tropeços ocasionais. Sim, é verdade que a direção de Denys Arcand não é das mais imaginativas do ponto de vista estético e que a fotografia de Van Rokyo se limita ao lugar-comum, resultando em uma experiência visualmente esquecível e raramente instigante em sua linguagem, mas isto não chega a comprometer o saldo final.
Encontrando espaço para discutir alguns temas pertinentes de forma objetiva, porém eficiente – há ecos do mal estar gerado pela crise de 2008, além de críticas abertas ao capitalismo selvagem que define o “Império Americano” descrito no título –, “A Queda do Império Americano” é, acima de tudo, uma longa divertido e bem humorado que se destaca graças à acidez de suas gags, que surgem rápidas e espontâneas o suficiente para entreter o espectador.