O maior erro da franquia
Por Pedro Guedes
A maior vantagem que um spin-off tem a oferecer consiste na oportunidade que o cineasta recebe de poder revisitar e respeitar um universo fictício criado por outros realizadores, mas imprimindo, no processo, a sua própria assinatura autoral. Desta forma, quando um filme ou série é ressuscitada através de um bom spin-off, o espectador mais uma vez aprecia os elementos presentes na obra original sem deixar de sentir o frescor garantido pelas novidades deste projeto particular. É isto o que separa “Rogue One” e “Creed” de bobagens como “O Escorpião Rei”, “Supergirl – O Filme” e “Caravana da Coragem”. E “A Freira”, infelizmente.
Trazendo como personagem-título um dos demônios presentes em “Invocação do Mal 2”, o roteiro escrito por Gary Dauberman (que exerceu a mesma função em “It – A Coisa”) se passa na Romênia em 1952 e começa mostrando o estranho suicídio de uma freira. Não demora até que o evento desperte a atenção do Vaticano, que logo manda o Padre Burke e a Irmã Irene para investigarem o caso – ao lado do jovem Maurice “Frenchie” Therialt, a testemunha que encontrou o corpo da freira pendurado em uma corda. E é claro que, quando o trio chega ao local onde a fatalidade aconteceu, várias esquisitices sobrenaturais vêm à tona.
Não é a mais original das premissas, é verdade, mas ao menos poderia resultar em algo aproveitável se o roteirista Gary Dauberman não se limitasse tanto ao lugar-comum do gênero “terror” – e não é exagero dizer que praticamente todas as convenções do horror estão presentes em “A Freira”, o que leva o longa a soar mais como um jogo do tipo “encontre o clichê dos filmes de terror”. Mas este nem é o maior dos problemas do roteiro, que, para começo de conversa, não se dá sequer ao trabalho de criar uma estrutura minimamente coesa para a história e amarra cada uma das cenas de maneira frouxa (não parece haver um encadeamento lógico que leva uma situação à outra). Assim, quando o espectador enfim consegue sentir que algo contínuo está acontecendo, ele logo percebe com frustração que o filme está perto do fim.
A estrutura problemática (leia-se: quase nula) de “A Freira” pode ser observada ainda no primeiro ato, que apresenta os personagens bem rapidamente e nem espera o espectador se apegar a eles antes de lançá-los em sequências mais movimentadas. De todo modo, não dá para cobrar muito de um roteiro que, além de desenvolver uma premissa tola e desestruturada, ainda cria alguns dos diálogos mais ridículos que o Cinema concebeu em 2018 (em certo instante, quando o Padre Burke afirma que eles terão que “Utilizar o sangue de Cristo”, Maurice pergunta “Espera aí… Cristo? Jesus Cristo?!”).
Assim, o elenco não deve ser inteiramente responsabilizado pela superficialidade dos personagens, já que nem o melhor ator do mundo se sairia particularmente bem tendo que recitar diálogos como os que existem em “A Freira”: Taissa Farmiga (irmã de Vera, que, não por coincidência, co-protagonizou “Invocação do Mal 1 e 2”) até consegue conferir a dose certa de pureza e convicção à Irmã Irene, ao passo que Demián Bichir se mantém preso a um personagem cujo único propósito é a exposição. Em contrapartida, Jonas Bloquet parece ter saído de um filme completamente diferente, já que sua presença em cena existe apenas para que o ator dispare uma série de piadinhas estúpidas e que anulam o já quase inexistente clima de tensão que deveria haver na narrativa.
Por falar em “já quase inexistente clima de tensão que deveria haver na narrativa”, o diretor Corin Hardy (cuja carreira pregressa inclui um único longa: “A Maldição da Floresta”) apela para um monte de jump scares que falham em assustar e – o pior – mostra-se incapaz de construir qualquer tipo de suspense, já que faz questão de mostrar o item que representaria o ápice da expectativa criada dentro da cena antes que esta mesma expectativa seja sugerida (para citar um exemplo: quando a Irmã Irene surge caminhando em um corredor escuro, a noiva que dá título ao filme é vista no fundo, então… por que o espectador deveria sentir medo, afinal?). O maior pecado cometido por Hardy, no entanto, é fazer com que “A Freira” torne-se aquilo que um longa de terror jamais deveria ser: chato, aborrecido e sonolento.
Não que o resultado seja um desastre completo: aqui e ali, o filme consegue criar um momento razoavelmente eficaz (o prólogo, em particular, sugere que a obra seguirá o caminho certo, saindo-se bem ao estabelecer uma atmosfera pesada e urgente que deveria ser preservada até o fim da projeção). Além disso, Hardy se diverte numa sequência onde a personagem-título aterroriza a Irmã Irene fazendo o cenário se inverter de ponta-cabeça – e embora passe longe de compensar o marasmo que veio anteriormente, o terceiro ato é bem-sucedido ao se entregar de uma vez por todas à escatologia.
Especialmente hábil em seu design de produção, que reconstrói com precisão o castelo de tradição católica que abriga a maior parte da narrativa, “A Freira” é fortalecido pela fotografia sombria e charmosa de Maxime Alexandre, que ocasionalmente oferece algumas composições visuais interessantes (o terceiro ato, por exemplo, conta com alguns bons planos plongée e zenitais que mostram as várias freiras rezando intensamente). Em contrapartida, a péssima montagem de Michel Aller e Ken Blackwell revela-se incapaz de salvar a trama frouxa e, para piorar, investe em transições deselegantes, como fades e cortes de fusão que soariam um pouco menos toscos em uma produção televisiva.
Sem jamais expandir “Invocação do Mal” de maneira eficiente ou significativa, “A Freira” é o maior erro de uma franquia que havia acertado bastante nos dois capítulos dirigidos por James Wan e conquistado um sucesso moderado com “Annabelle” e “Annabelle – A Criação”. Agora resta torcer para que os próximos longas se encarreguem de pôr a série de volta nos trilhos.