Um épico canino
Por Fabricio Duque
Um dos objetivos do gênero cinematográfico está na capacidade de fazer com que o espectador possa ampliar possibilidades e identificações, até porque o ser humano é essencialmente subjetivo em suas escolhas e gostos pessoais. Cada um pensa e sente de um jeito.
“A Caminho de Casa” é um filme que foca na inocência perdida do meio familiar, conduzindo-se pelo conservadorismo do politicamente correto, que, por característica intrínseca, enaltece valores morais, humanidade, solidariedade, amizade e, neste caso, uma crítica protesto contra as leis versadas sobre a liberdade de existência de animais sociais.
O longa-metragem é um épico canino. A narrativa desenvolve-se pela ingênua perspectiva de uma cachorrinha, afastada de seus próximos em um abrigo clandestino e abandonado, em narração off (voz de Bryce Dallas Howard, de “Jurassic World”, “Homem-Aranha 3”) que permite ao público ouvir seus pensamentos.
Sim. “A Caminho de Casa”, baseado no livro homônimo do escritor americano W. Bruce Cameron, é para toda família, apresentada a uma jornada fiel, incondicional e instintivamente amorosa de um ser vulnerável e incapaz. Que sofre “racismo para cães” (articulado pela amiga negra, Olivia, a atriz Alexandra Shipp) por sua “aparência física”. A “solução”, o “sacrifício”.
Bella é uma cadelinha especial que vive com Lucas (o ator iniciante Jonah Hauer-King, de “Ashes In The Snow”), um estudante de medicina veterinária que trabalha como voluntário em um hospital local, e com sua mãe Terri (a atriz Ashley Judd, do seriado “Twin Peaks”, terceira temporada, “Beijos Que Matam”, “Frida”). Um dia ela é encontrada pelo Controle de Animais na rua e acaba sendo levada para um abrigo a 400 milhas de distância de seu dono. No entanto, Bella, uma cachorra extremamente leal e corajosa, decide iniciar sozinha uma longa jornada de volta para a casa.
Dirigido pelo americano Charles Martin Smith, um apaixonado por animais, principalmente por cães (de “Bud, O Cão Amigo”, seu primeiro, “Icon – Cães da Violência”, seu segundo, e “Winter, o Golfinho”, seu terceiro), “A Caminho de Casa” é uma trajetória de superação. É a fábula de Bella, que precisou desbravar as aventuras e os perigos do mundo para descobrir que “sempre esteve onde precisava estar”. É seu conhecimento de vida. Tudo era novo.
Bella encontrou outras “famílias de pessoas boas”, mas não era o lugar dela. A saudade que sentia a fazia ir para frente, além e adiante. Tinha uma sensação, que podemos compará-la a de Woody, o brinquedo fiel, e Andy, seu dono criança, do filme “Toy Story”, animação da Pixar. Ela precisava descobrir uma maneira de voltar com perspicazes e passionais ideias e habilidades ensinadas. As reviravoltas desencontradas a desviam do caminho, mas nunca a desencorajam.
“A Caminho de Casa” é sobre a parábola do viver. De viver a vida para perder o medo do viver. Ainda que com novos amigos, com novas ajudantes facilitadores, com novos núcleos familiares, a cadelinha persevera no propósito maior do retorno. E sua atriz canina é completa. Consegue mais expressividade que muitas atrizes humanas. Suas sutilezas interpretativas, sua economicidade sentimental,
Assim como em todo e qualquer gênero família, de aventura de situações, o filme intercala emoções, buscando a sinestesia. Nós somos imersos em frustrações, aprisionamentos (tanto físicos, quanto emocionais), lutas de sobrevivência, lembranças, abandonos, o precisar ir, em companhias incomuns e na passagem temporal pelas quatro estações do ano. E embalada pela trilha-sonora de uma música aventureira e esperançosa.
“A Caminho de Casa” busca referência narrativa em “Quatro Vidas de Um Cachorro”, de Lasse Hallström, por sua semelhança premissa de um cachorro que morre e reencarna várias vezes na Terra. Embora encontre novas pessoas e viva muitas aventuras, ele mantém o sonho de reencontrar o seu primeiro dono, que sempre foi seu maior amigo.
O longa-metragem cumpre o propósito de seu gênero. O espectador é estimulado a perceber que cada animal possui um background, um passado. Uns, defensivos pela agressividade, outros, melancólicos. E uma crítica à lei da cidade-condado Denver, do estado americano do Colorado, que diz que a circulação de cachorros perigosos é proibida, “A Caminho de Casa”, ainda que descontínuo, incongruente, inverossímil, desarmônico, com conexões coladas e subtramas patrióticas demais, é pela cachorra Bella, com sua precisa encenação, que a atenção do público é presa, o desviando dos clichês característicos e esperados.