Curta Paranagua 2024

Crítica: A Caça
Os Idiotas Dogmáticos
 
Por Fabricio Duque

 

Há na Dinamarca, um cinema de gênero próprio: intimista, autoral e independente, que prefere o conteúdo narrativo à embalagem visual, traduzindo as ideias do escritor russo Dostoiévski pela estética maniqueísta da ética comportamental. A estrutura busca a linguagem direta, sem suavizações, tampouco subterfúgios do gatilho comum. Preocupados com a complexidade do futuro cinematográfico, os diretores Lars Von Trier e Thomas Vinterberg criaram o manifesto Dogma 95, criticando o julgamento plastificado dos indivíduos sociais, que são analisados como seres influenciáveis de uma pré-moldada opinião alheia. Basicamente vivem em sociedade e tentam “afastar a maldade” pensando igual e junto. “A Caça” foge das regras adotadas no “manual do bom cinema”, mas conserva a característica peculiar, que é o argumento puro e simples, que se sustenta pela própria existência intrínseca do material bruto presente em cada um. A narrativa, inicialmente, como em um teatro clássico, apresenta personagens dotados de idiossincrasias, personalidades e tendências a reações surpesas, quando confrontadas com possibilidades impensadas do imaginário popular, humaniza-se então estes elementos a fim de construir o universo abordado (aqui ficcional concretista – diferente de “Dogville”, de Von Trier, que se expõe como realista abstrato e de projeção mental – porém com a mesma técnica indutiva, que é a confrontação preconceituosa (ora despertando a percepção da hipocrisia) do próprio espectador. Acho que referenciar o filme “Dúvida” também cabe no contexto que abordo aqui. As referências ajudam a observar possibilidades infinitas de interpretação que cada indivíduo pode ter sobre determinado assunto. Vide a Bíblia. Tabus ainda são complicados de se transpôr. A dúvida imposta, por menor que seja, não neste caso, interfere e fornece uma opinião pronta a ser seguida, principalmente em uma comunidade, como é o caso do filme em questão. A trama não busca a surpresa para quem assiste, informando logo os fatos definidores. Daí, as consequências “previsíveis” da alma humana conduzem a história (seja por radicalidade nas crenças, seja por perspicácia da amplitude questionadora e ou por limitação visual do mundo ao redor). A naturalidade com que o tema é tratado incomoda mais do que a própria abordagem. É seco, direto, terapêutico e ácido. Acreditar em uma criança (de mente fértil e fantasiosa) ou em um funcionário adulto simpático de uma creche (recém separado e com um filho)? As primeiras cenas manipulam sim o entendimento do espectador, o acompanhando à prévia conclusão que terá no final. O que é certo e ou errado? O que é politicamente correto ou incorreto? Entrar sem roupa em um rio como forma de brincadeira comemorativa pode conotar dúbios futuros pensantes. Uma criança ver uma foto de alguém pelado também pode estimular pensamentos “impuros”. A pureza do amor infantil por um adulto, quando rejeitada, pode gerar consequências desastrosas, atingindo em cheio o medo estimulado e massificado das boas condutas sociais e sexuais. Se uma vez alguém, mesmo sofrendo com a injustiça da culpa, for decretado como “Cristo” (intuito de se pagar pela incompreensão alheia em um mundo atrasado e limitado), seguirá eternamente sem o direito pelo perdão. O diretor Thomas Vinterberg (de “Dogma do Amor” – nada a ver com o manifesto, “Festa de Família” – este sim, “Querida Wendy” – com roteiro de Lars von Trier, “Submarino”) conjuga de forma excelente a parte técnica, impedindo qualquer possibilidade do clichê aparecer, equilibrando a fotografia e narrativa pelo viés do simples que gera o complexo, porque se fosse ao contrário, seria extremamente pretensioso. Não podemos esquecer das interpretações. O ator Mads Mikkelsen (que vivencia o protagonista Lucas), já conhecido do cinema dinamarquês, atualmente está em “O Amante da Rainha” (que ganhou o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes) entrega-se unicamente sendo ele mesmo, instituindo uma naturalidade explícita ao se relacionar com os outros atores. Confesso que quando o filme acabou, senti melancolia, que me fez remoer e remoer o que foi transpassado da tela  grande. Assistir a análise antropológica e filosófica do ser humano gerou questionamentos pessimistas de que talvez o problema da humanidade seja mesmo que “no mundo tem gente demais” (citando “Cosmópolis”, de Cronenberg) e que o “inferno são os outros”, de Sartre. Concluindo, não perca!  Leia AQUI o manifesto Dogma 95!
5 Nota do Crítico 5 1

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