A Independência do Sobrenatural
Por Fabricio Duque
Nós sabemos que um filme cumpriu seu propósito objetivado quando seu resultado atende todas as características típicas de manipulação narrativa do gênero escolhido. Em “A Autópsia”, de André Øvredal, diretor norueguês de “Future Murder”, “O Caçador de Troll”, que assume sua fascinação pelo suspense paranóico e obsessivo (que decidiu realizar este terror após assistir “Invocação do Mal”, de James Wan), o espectador é imerso na morbidez de um horror sobrenatural que se ambienta em um necrotério nos porões de uma casa de família, que trabalha no ramo há mais de vinte anos, e indiscutivelmente, esta informação já explicita a perfeita adequação a sustos e loucuras projetadas pela mente.
O longa-metragem referencia, em sua arquitetura visual, o elemento sensorial alucinógeno de “O Iluminado”, de Stanley Kubrick (tanto que o próprio gato-personagem, “malvado à cada dia”, tem o primeiro nome do diretor novaiorquino) e pelo machado na porta, conjugado com a estética visceral-sombria de “Seven – Os Sete Pecados Capitais”, de David Fincher; com inserções a “O Chamado”, de Gore Verbinski a “Bruxa de Blair”, de Eduardo Sánchez e Daniel Myrick.
“A Autópsia” é conduzida pelo ceticismo (de “olhar antes de saltar”, de “ver além”) de uma “aula” médica (“o sino no pé é para diferenciar a morte de um coma”), e procura afastar a obviedade das reviravoltas, logicamente, respeitando a estrutura do gênero, que se configura por pulular assombros e latentes temores em seu público. A história nos conta sobre Tommy Tilden (ator escocês Brian Cox, de “Zodíaco”, de David Fincher) e Austin Tilden (o ator californiano Emile Hirsch, de “Na Natureza Selvagem”, de Sean Penn), seu filho, são os responsáveis por comandar o necrotério de uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos. Os trabalhos que recebem costumam ser tranquilos e comuns por causa da natureza pacata da cidade.
O trabalho segue normal, entre músicas de rock clássico de uma rádio, até que certo dia, o xerife local (Michael McElhatton) traz um caso complicado: uma mulher desconhecida foi encontrada morta nos arredores da cidade, chamada de ”Jane Doe”, jargão americano que denota a identificação humanizada de “indigentes”. Conforme pai e filho tentam descobrir a identidade da mulher morta, coisas estranhas e perigosas começam a ocorrer, colocando a vida dos dois em perigo.
Abro um parênteses para discorrer e “dissecar” uma digressão sobre o termo “autópsia” (do latim: “ver por si próprio”), termo incorreto, unicamente, porque “auto” significa que o próprio cadáver realiza em si mesmo o exame. Portanto, devemos usar a palavra legista “necrópsia” para “determinar a causa e modo da morte”. Fechado o parênteses e voltando às elucubrações de “A Autópsia”, o longa-metragem prende do início ao fim por sua câmera que passeia por ambientes e personifica o espaço. O início mostra uma cena de um crime (“parece que estavam tentando fugir”), com sua veia visceral de corpos abertos e queimados. “Todo mundo tem um segredo. Alguns conseguem esconder melhor do que outros”, diz-se. E é rebatido: “Mas alguns são melhores em encontrá-los”.
Até mesmo quando embarca no lado religioso, o filme mantém seu ritmo com seus constantes sustos, aparições, trovoadas de uma tempestade, ruídos potencializados, barulhos sinistros e estranhos, a gravação em fitas VHS, a curiosidade de uma namorada sobre o arrefecimento do ambiente de trabalho. “Deixa os porquês para os psiquiatras e para a polícia, nós só estamos aqui para encontrar a causa da morte. Nada mais, nada menos”, diz-se.
Cada vez as evidências apresentam-se mais misteriosas e inexplicáveis, sem “substâncias estranhas”, instaurando o medo real. “Todo ritual tem um propósito”, sim, e eles conseguem descobrir, entre crises existenciais de memórias passadas, e o encerramento da experiência satanista. Concluindo, apesar de corroborar gatilhos comuns e típicos do gênero de horror-terror, o filme segue e respeita à risca sua busca por respostas, mesmo sem conseguir respondê-las por completo.