Mostra Um Curta Por Dia 2025

Centro Ilusão

Desconstruindo sonhos e propósitos pela expectativa versus realidade

Por Fabricio Duque

Assistido durante o Festival do Rio 2024

Centro Ilusão

O novo filme de Pedro Diogenes, exibido no Festival do Rio 2024, talvez seja a melhor e mais genuína tradução sobre os reais propósitos e essências das existências humanas, entre elipses buscas de se encontrar felicidade no nada e de se abrir mão do tudo definitivo. Talvez toda essa percepção aconteça mesmo porque o realizador brasileiro quer imprimir em suas obras um olhar mais despretensioso, mais orgânico e mais fiel a sua autoralidade de como as coisas realmente são, longe de arrogâncias, sentimentalismos, maniqueísmos e moralismos limitadores. Assim, “Centro Ilusão”, logo no nome de seu título, já direciona seu público a uma intimista e micro metáfora-crônica comportamental pelo atravessamento coloquial do dia-a-dia sobrevivente de nossa sociedade, que se interfere como um cruel, hostil, desafiador e intolerante ambiente de vivência dos indivíduos, que preferem seguir a massa que expor suas individualidades mais básicas e rotineiras. 

“Centro Ilusão” é uma experiência de observação. De analisar o cognitivo das emoções mais internas e abaixo do campo da consciência. Ao nos conduzir por essa contemplação, capturando instantes e suspendendo o tempo real a fim de construir a metafísica da invisibilidade de como se é e está no exato momento que a vida acontece, o longa-metragem acessa a camada do ser livre, mitigando toda e qualquer hipocrisia (a necessidade de se mentir ao outro para um bom convívio social) e a utilização das máscaras (a projeção de se tentar descobrir o que esse outro quer e deseja para nós). Ao focar no silêncio e na verdade transmitida dos sentimentos intrínsecos, “Centro Ilusão” encontra a tradução transcendente, sensorial e inerente do significado de existência e da pergunta de “Onde realmente está a felicidade?”, quando simplifica, descomplica e ressignifica o conceito minimalista de só se ter o que for mais essencial, como conversas, um solo “triste” de guitarra e o tempo solto de se beber em um bar. E conseguindo fugir totalmente de uma estrutura mais de auto-ajuda para evocar mais o tom de Nick Cave e suas músicas, em terapêuticas verdades cantadas, e de uma presença etérea à moda de David Lynch. 

O longa-metragem busca acontecer especialmente por sua fotografia, de condução estética, entre luz refletida, cenário colorido e cinema direto de vidas cotidianas em uma cidade “selva perigosa” em movimento em fusão (seus barulhos, ruídos, a ansiedade, a correria, a pressão). “Centro Ilusão” nos apresenta uma narrativa de coloquialismo mais naturalista, mais humanizado, mais fluído e sem sensibilidades baratas, defensivas e superficiais. E por diálogos bem-humorados, perspicazes, cúmplices, articulados, sóbrios, maduros, espirituosos e sem deixar de lado a melancolia e realismo de se perceber a vida irreal e inexplicável que introjetamos a cada segundo do dia, que se rompe quando um olhar fascinado de alguém do público é “descoberto”. “Centro Ilusão” altera assim nossa percepção de que adentramos em um universo paralelo, como se fosse uma espectral viagem do tempo e/ou uma reconstrução-distopia de um futuro pensado. Nesse novo mundo alterado, insights são mais que bem-vindos e questionamentos à la “Matrix” também. Qual pílula você prefere tomar? Uma competição-teste de bandas de música pode gerar uma “bomba” e acordar um ser humano da inércia pensante para a possibilidade de permissão, colocando em prática suas idiossincrasias, até então só na retórica. 

“Centro Ilusão” trouxe uma recorrente referência a minha mente: a ideia de libertação reconstruída dos achismos já prontos que estão internalizados em nossas reações mundanas e que podem ser precisamente exemplificadas com a música “O Vencedor”, do grupo Los Hermanos. E se nos libertássemos da obrigação social de termos que ser vencedores, competitivos e mais fortes que o outro? Como seria nossas vidas sem esses requisitos? E isso é exatamente o que uma das personagens pensa e age no final. Para que? Qual o propósito disso tudo? Sim, Pedro Diogenes é um imagético “poeta do Apocalipse” que representa toda nossa nova organicidade social num esboço de uma utopia dentro de uma parábola político-social. Com ou sem unhas pintadas. “Centro Ilusão”, com os atores Fernando Catatau e Brunu Kunk, dá voz a pontos de vista diferentes, perspectivas e polaridades argumentativas contra a unicidade ofensiva-defensiva e contra o controle de pensamento através do politicamente correto. 

“Centro Ilusão” traz também a reconexão por seu cirúrgico timing narrativo. Seres diferentes e em extremo oposto que se juntam por necessidade e pela epifania de estarem fora do tom dessa cidade. Um mais silencioso, o outro mais tagarela. Um resiliente, mais nostálgico, mais analógico e mais realista em aceitar a própria tristeza (e desistência). E o outro ainda esperançoso para conquistar o mundo (e a perfeição musical) com sua euforia e impulso desmedida da vida. É esse choque “punk rock” de ideias que complementa e equilibra todo o filme, um road movie de cotidiano normal à pé que reencontra amigos e pessoas “perdidas” pelo caminho, em que a cidade é o veículo condutor. Isso tudo produz uma nova forma de viver: que o resultado de se perder ou ganhar e/ou não ter uma guitarra é irrelevante. Está em aberto. Um mero preciosismo da existência. E que “deixar o sonho para lá” não é desilusão e sim um ato sóbrio de coragem para sobreviver contra as amarras dessa sociedade que na verdade não sabe nada, especialmente quando o que mais amamos vira um “peso”. 

“Centro Ilusão” é a primeira fase de recomeço do ser humano: de assumir em voz alta uma desvontade de tudo. De que “algo se perdeu”. Eu entendo porque senti exatamente a mesma coisa na pós-pandemia. E ainda, tempos depois, ainda tento buscar propósito e desejo na rotina do antes. É, pois é, é um processo que “bagunça” tudo, que nos faz questionar se todos nossos sonhos não eram apenas ilusões infantis. “Centro Ilusão” é assim: uma experiência real pessoal e única a cada um, de imagem humana, de estética psicodélica e de reflexos-ócios criativos e que nos mostra o quanto complicamos nossas existências. Sim, confesso que tenho muito medo desse tipo de filme, porque se eu me permitir realmente sentir e colocar em ação o que é passado, então decisões radicais poderão vir a tona. Pedro Diógenes não só conseguiu centralizar neste filme as ilusões de todos nós. 

5 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Deixe uma resposta