O inferno são os outros
Por Fabricio Duque
Uma das essências da vida, terráquea e ou interplanetária, é a busca por invenções, a fim de ressignificar conceitos e criar novas possibilidades, especialmente pro-ativamente reverberado na arte cinematográfica, que representa um espelho de nossas condições e comportamentais atuais, servindo assim como um documento adaptado à fantasia da ficção. E consequentemente, gêneros de cinema são ampliados para nortear e padronizar espectadores.
O caso mais recente é o longa-metragem “Brightburn – Filho das Trevas” (2019), dirigido por por David Yarovesky (de “A Colmeia”, 2014), que inicia o horror de super-heróis, desmistificando a pureza de bom moço com alterações de personalidades intrínsecas à maldade e à violência natural. Com seu trailer exibido durante o painel da Sony na CCXP 2018, o filme busca semelhanças explícitas com a história de “Superman”, criada por Jerry Siegel e Joe Shuster, e inferências próximas a “Midnight Special”, dirigido por Jeff Nichols.
“Brightburn – Filho das Trevas” quer a experiência visual de seu público, que é conduzido por uma narrativa sensorial de perigo iminente e à espera de um novo susto (que logo nas primeiras cenas já estimula a ação) conjugada com a intimidade de digressões familiares, uma das características dominantes do cinema de gênero de horror. O filme desenvolve-se pelo cotidiano, mostrando a rotina dos cafés da manhã, das aulas da escolas, da educação física, dos bullying. “Os inteligentes vão dominar o mundo”, diz uma colega de classe.
Aos poucos, este ser especial e desencaixado, de cérebro superdotado (um “super gênio”), possuidor de uma força descomunal (indestrutível, mas com um resquício de vulnerabilidade), vai transformando e aceitando seguir sua missão pelos estímulos-interferências-possessão de seu “mestre-líder”, que o manda “tomar o mundo” por ser “algo superior a todos”. Será uma alusão a Adolf Hitler e a imposição de um nazismo moderno?
“Brightburn – Filho das Trevas” mantém os típicos gatilhos comuns para contar a história. Ele fala em outra língua, descobre os super poderes, ouve vozes, seus pais escondem segredos de seu passado, fica “estranho” e “malcriado” ao ganhar uma arma aos doze anos. Tudo embalado entre ambiência de medo, quebras sentimentais e alívios espirituosos não forçados. É a construção da maldade deste pequeno psicopata, à moda de “Precisamos Falar sobre Kevin”, de Lynne Ramsay.
Será também uma metáfora à puberdade em um universo americano que cada vez pais deixa mais seus filhos livres e autônomos sem limites e que sempre buscam respostas lógicas? Seu protagonista Brendon Breyer é milimetricamente irretocável construído pelo ator Jackson Dunn (de “Vingadores: Ultimato” e “Gone Are the Days”), principalmente pela contida sutileza de suas expressões oculares de antecipar consequências e obviedades de agir como um “animal” implacável sem remorsos (uma força poderosa). “O mundo é uma ostra”, insere-se.
“Brightburn – Filho das Trevas” é quando o anti-cristo, filho do demônio, chega a Terra para se vingar dessa raça impura e egoísta pelo poder do olhar que incendeia e se metaforiza com o nome da própria cidade. Talvez seu envio se fez necessário porque Hellboy passou ao lado do bem.
O longa-metragem é puro entretenimento de criação temporal quase algorítmica pela edição ágil e cadenciada (dosando silêncios, esperas, sustos, histerias, insinuações, suposições, pistas e o perigo real propriamente dito), quando mascara a presença de clichês. Brendon Breyer, um extra-terrestre adulterado, como um Tanos e ou um Loki da saga Marvel Vingadores, recria “A Profecia”, de Richard Donner, baseado no livro de David Seltzer, pelos mesmos detalhes condutores de também ser órfão e ser criado por uma família amável. E que quando chega aos doze anos, alguma chave à violência gratuita e insensível é bruscamente ligada.
“Brightburn – Filho das Trevas” tenta agradar gregos, troianos, terráqueos e Aliens ao equilibrar mortes viscerais, à moda de “Jogos Mortais” (2004, de James Wan), com tempo contemplativo. É produzido por James Gunn, o mesmo que dirigiu de “Os Guardiões da Galáxia”, e roteirizou de “Para Maiores”, “Madrugada dos Mortos”).