Curta Paranagua 2024

Brasileiríssima

A Novela e os Noveleiros

Por Fabricio Duque

Brasileiríssima

É imprescindível reconhecer o legado sociocultural deixado pelas telenovelas brasileiras. Sendo o expoente máximo do audiovisual de massa no país, elas foram responsáveis por moldar a sociedade, incitar debates e disseminar a escolarização ao longo do território nacional. O sucesso não se restringiu às terras tupiniquins, tendo alcançado a fama em todos os países lusófonos e, inclusive, em países europeus e africanos, onde o acolhimento foi muito grande. O documentário “Brasileiríssima”, do diretor André Bushatsky realiza um resgate à gênese da telenovela no Brasil. Contando com depoimentos de figurões do entretenimento televisivo e de alguns dos responsáveis pela evolução da linguagem, a obra trata-se de uma ode à esta forma de entretenimento democratizado.

Relatos de grandes nomes como Boni, Tony Ramos, Regina Duarte, Lima Duarte e Taís Araújo intercalados com excertos de novelas famosas como Roque Santeiro e Beto Rockfeller no intuito de ilustrar o que está sendo dito. Uma proposta interessante do diretor foi instigar os entrevistados a contarem casos específicos, como em uma conversa trivial entre amigos, dando um toque de subjetividade e tornando o documentário um pouco mais intimista. Todavia, em certos momentos, “Brasileiríssima” pode parecer uma chuva torrencial de nomes e fatos aleatórios para um leigo neste quesito. Porém, ele não deixa de trazer à tona tópicos de suma importância, como a questão racial e como ela é discutida em “A Cor do Pecado”.

Ao longo de “Brasileiríssima”, percebemos que o fantasma da censura ainda paira e assombra os envolvidos na indústria do entretenimento. A exemplo disto, vemos músicas de abertura tendo a letra alterada, ideias sendo vetadas e coisas do gênero. Entende-se também que, junto das origens na rádio, a constante censura de peças teatrais culminaram no desenvolvimento da linguagem audiovisual no Brasil, em virtude da eventual migração destas mesmas peças para as telinhas. A subversão advinda do teatro é uma das facetas desta forma que ganha destaque – “Tieta”, por exemplo, foi um marco do fim da ditadura. Os grandes dramaturgos à frente de seu tempo e responsáveis pela confecção dos roteiros, imbuídos de um sentimento anárquico, se viram com a necessidade de suscitar certas discussões, muitas vezes impensadas para a época, findando nas incomensuráveis mudanças encontradas na sociedade moderna em relação à sociedade daqueles tempos.

No geral, a transparência da câmera é levada a sério e o realizador se permite apenas participar durante uma sequência rápida nos 77 minutos. Relativamente metalinguístico, o longa apresenta-se como uma reflexão acerca da telenovela em si, como forma. Pela acessibilidade e ampla disseminação, ela se tornou a síntese da cultura e o grande referencial das famílias brasileiras. Compreendemos melhor a intimidade do povo com as novelas, que são o grande pedagogo para uma população majoritariamente não-escolarizada. No final, são trazidos alguns depoimentos acerca do streaming e da adaptação necessária com a chegada dos novos tempos.

Alguns erros precisam ser salientados acerca do longa-metragem documental em questão. A montagem peca bastante. O ritmo implementado é um tanto quanto frenético, impossibilitando o desenvolvimento de uma linha de raciocínio. Não há uma estrutura de começo, meio e fim – algo que é exacerbado recorrente pela mudança de tópico abrupta. Dá-se a impressão de que entrevistas desconexas foram montadas juntas sem que haja uma relação entre elas. O filme fica mais confuso quando somos introduzidos aos depoimentos de pessoas comuns, que contam a sua relação com o universo da mídia televisiva. Em certo ponto, o foco é desviado quase integralmente para outro assunto que, apesar de ser uma pauta de suma importância, atrapalha a relação do espectador com o enredo. Em resumo, o realizador tenta abraçar muitos debates, transformando “Brasileiríssima” em uma miscelânea de difícil assimilação.

Esta é, de fato, uma homenagem às muitas décadas de televisão no país, à pujança da televisão brasileira e à herança que as grandes obras deixaram no pensamento coletivo e no imaginário popular, quebrando paradigmas e ajudando na criação de uma sociedade menos desigual. Porém, quanto aos aspectos técnicos, os erros em demasia rompem com o envolvimento do espectador. Como produto final, temos uma justaposição não coesa de filmagens sem a intervenção necessária da equipe de montagem ou do diretor. Apesar de tudo, o valor informativo de “Brasileiríssima” é incontestável e a temática é de extrema importância.

2 Nota do Crítico 5 1

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