Big Bang
Um Hefesto em cada operário
Por Giulia Dela Pace
Durante Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2022
O novo curta-metragem de Carlos Segundo, “Big Bang”, define novamente qual o lugar do cineasta no atual cenário do cinema nacional. E o comentário do ator, Giovanni Venturini, durante a mostra competitiva nacional do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, auxilia na transcrição da sensibilidade e coerência do diretor ao permitir a co-criação do protagonista com o ator, mas também outras produções, pois Giovanni deixou claro que Segundo se propor a trabalhar com a representação de pessoas com nanismo de forma digna e num contexto muito maior, além de sua deficiência, permite novas possibilidades de representação respeitável dessas pessoas, frequentemente, marginalizadas e subestimadas pelo cinema.
Daí entra uma característica importante das produções de Carlos Segundo: Chico – personagem interpretado por Giovanni Venturini em “Big Bang” – é uma das figuras humanas de Carlos que é levada ao limite, haja vista que o diretor costuma trabalhar os limiares da condição humana em um país de terceiro mundo, onde a luta é diária. Uma luta que não ocorre apenas em cenários macropolíticos ou dentro de grandes movimentos sociais, mas na vida cotidiana de personagens ordinários com vidas que não deixam tempo livre para grandes atos, mas para ações de empoderamento que os façam subsistir com uma dignidade incompleta, mas que é a única possível de ser alcançada sozinho.
Ainda dentro da narrativa de busca de poder sobre a própria vida e corpo, não se deixando consumir pelo capitalismo degradante do subemprego, o fogo é uma das poucas simbologias do filme – ainda que seja óbvia, não deixa de agregar significado –, que independentemente de religiões, é sempre ligada à vontade e ao desejo pulsante de destruição ou poder. É o amor e a força de mudar, a marcação de território. O fogo e a sua iluminação também têm papel importante para a narrativa de Chico, pois conversa com a iluminação contrastada do curta e a rigidez introspectiva do personagem – que se quebra ao final com luzes coloridas e uma dança libertadora –, além de uma analogia possível com a encarnação do deus Hefesto no protagonista em momentos de ira internalizada durante o trabalho, que se assemelha ao do deus grego.
Então, “Big Bang” é um curta político, mas não autocentrado na narrativa de Chico, apesar de ser o tema principal, pois há uma consciência de classe firme dos personagens. Vemos isso claro quando é exposto no diálogo entre Marta – uma empregada doméstica – e Chico sobre se priorizar e entender seus limites. Marta convence Chico a levantar a cabeça contra a classe burguesa. E fica claro o efeito da conversa quando o protagonista é firme em cobrar o preço acordado com uma madame por seu trabalho, vemos isso vir mesmo de Marta: “Largar minha filha para cuidar de filho dos outros? Eu não, eles que arranjem outra pessoa. A gente não é ninguém pra esse povo.”
Por fim, tudo dialoga, também, com a fotografia do filme e um dos possíveis enquadramentos de uma pessoa com nanismo, pois os planos e os recortes de outros personagens, que não eram importantes de se representar com dignidade, proporcionaram um formato de plano adequado para Venturini. Assim, foi possível mergulhar no silêncio de um personagem dramático, intensamente contemplativo e de personalidade misteriosa e introspectiva.
1 Comentário para "Big Bang"
Achei o filme ótimo e o ator principal melhor ainda. Mas (sempre tem um mas) nada disto seria possível sem a música de fundo que era perfeita para as cenas, principalmente a última quando ele se liberta dançando. Nos comentários do filme não se referem nem uma vez a ela, nem nos créditos