Be Natural: A História não Contada da Primeira Cineasta do Mundo
O mundo tentou apagou o cinema
Por Fabricio Duque
Talvez, nós nunca saberemos sobre o surgimento empírico (e condicionado) da “superioridade machista” (com sua “irmandade”) de encontro à mulher, uma figura “construída” à base da “fragilidade” e “submissão”. E, principalmente, seu porquê em diminuir a igualdade do feminino. Assim, contra esse argumento da História, a produtora Pamela B. Green, em sua estreia na direção de um longa-metragem, traz à vida (assunto, matéria e protagonismo) Alice Guy-Blanché, não só a “pioneira do cinema”, como presenciando como participante-assistente ativa do nascimento da sétima arte, nove meses antes, em 22 de março de 1895, do evento parisiense que recriou o olhar e o significado do que se vê (“método confiável de projetar filmes”), pelos Irmãos Lumière, os “pais do cinema” (que ganharam a “disputa” do equipamento-projetor). “Hollywood ainda não era Hollywood”, diz-se. A narrativa de “Be Natural: A História não Contada da Primeira Cineasta do Mundo” (2018) é acima de tudo uma arqueologia da História. Uma “caça ao tesouro” da memória perdida. Uma investigação para comprovar a verdade e mitigar qualquer resquício de boato sobre as obras da cineasta francesa.
O documentário aqui busca a forma da ficção, editada para amalgamar conteúdo e embalagem imagética. O filme não só é uma homenagem a Alice Guy-Blanché, por perpetuar suas realizações e impedir o apagamento do passado, como também é uma ode ao cinema (antes de se transformar em produto de entretenimento). Nós somos embalados por um saudosismo cinéfilo. Uma nostalgia estimulada pela viagem da montagem: ágil, pop e intermitente, que usa o moderno para facilitar (e aliterar) com estética o consumo informativo. Estrutura Google Maps com efeitos visuais. Vídeos atuais do Youtube em comparação com os fragmentos cotidianos e caseiros feitos por Alice Guy nos primórdios. Podemos defini-lo como uma aula imprescindível de uma arte que transforma imagens em sensações.
Ao abordar o protagonismo do próprio cinema, ”Be Natural: A História não Contada da Primeira Cineasta do Mundo” gera naturalmente a metalinguagem, e dessa forma desperta nossas emoções mais primárias. Mais básicas. O documentário é narrado pela atriz Jodie Foster, que também assume a produção executiva. Entre entrevistas de 1957, 1963 e 1964; áudios; depoimentos de artistas do meio cinematográfico, o roteiro realiza um importante trabalho de documentação histórica, validando arquivos, por uma investigação à procura de pistas, tudo que possa ajudar a fornecer ainda mais verdade a Alice Guy (“com estilo, inteligente”, “que teve que aprender tudo para filmar” e “deu um salto, mostrando que o cinema não era só imagens de documentação arquivista de uma época e podendo ser fragmentos da vida”), que sempre se perguntou: “Por que não usar o cinema para contar histórias?”. “Ela escreve, produz e dirige um dos primeiros filmes de ficção da época”, a narração nos apresenta uma mulher revolucionária (pelos “temas polêmicos”) e visionária (por alterar e incorporar técnicas à experiência do olhar). Depois, desaparece. “Cachorro não pode ser cineasta”, ela diz. O ostracismo (“mantida na obscuridade”), muito por medo de suas atitudes e ideias, quanto por misoginia enraizada, acarretou não só seu esquecimento, como o apagamento do próprio início do cinema. Por que o passado sofre tanto descaso? Não pode conviver com o futuro-progresso? O mundo apagou o cinema?
”Be Natural: A História não Contada da Primeira Cineasta do Mundo” é um filme de procura. De uma identidade perdida, que se junta aos rolos de nitrato em salões abandonados (em meio ao perigo do fogo e do desgaste da deteriorização irreversível). Uma busca por um tesouro para catalogar memórias. A narrativa recorre até a “abordagens holística e morfológica” a fim de descobrir pistas e nuances da verdade, que neste caso está dentro de “caixas separadas” por colecionadores, “guardiões dos filmes raros mudos”. Como já foi dito, este filme é muito mais que uma simples nostalgia saudosista, representa uma recuperação de uma carreira, de uma vida entregue com “entusiasmo, energia e juventude”, completamente, ao ofício, sendo pioneira também do “cinema musical”, da comédia satírica, que com crítica humanizada e orgânica, levantava discussão sobre machismo e feminismo por suas estereotipadas imagens irônicas. Nós conseguimos perceber também que a Primeira Guerra Mundial realmente “destruiu” a ideia libertária da igualdade. Não se sabe o motivo, mas alguma coisa mudou e resetou um novo mundo. Os filmes de Alice Guy tocava em pontos que não se poderiam abordar, como “mulheres assanhadas”, homens “hiper sexualizados”, protagonistas negros e a procura de interpretações naturais, não encenadas, filmando a verdade pela ficção. Assim, concluindo, ”Be Natural: A História não Contada da Primeira Cineasta do Mundo” é uma obra essencial a todos os estudantes de cinema, a todos os apaixonados pela sétima arte e a todos acreditam na preservação do passado enquanto presente. Um júbilo que atravessa nossos sentidos, mexendo em nossas paixões incondicionais mais íntimas.