As Loucuras de Rose
Uma fagulha de frescor dentro de uma premissa batida
Por Pedro Guedes
O sucesso pode vir dos lugares menos esperados. E esta é uma mensagem que Hollywood já promove há décadas, sendo “Rocky, um Lutador” um dos principais responsáveis pela catalização dos “filmes de superação”. “As Loucuras de Rose” é mais uma obra que gira em torno de uma underdog (ou seja: alguém subestimado pelos que estão ao seu redor) e que eventualmente dá a volta por cima, mesmo que isso custe a dúvida de oito a cada dez pessoas que dividem tempo de tela com ela – e é difícil não pensar em “Nasce uma Estrela” ou mesmo em “Vox Lux” quando consideramos que a protagonista, aqui, também é uma cantora em ascensão. De qualquer forma, por mais batida que seja a premissa de “As Loucuras de Rose” (é como é batida…), ao menos o filme consegue desenvolvê-la sem que o espectador se incomode com a sua falta de originalidade, o que é notável.
Escrito pela estreante Nicole Taylor, o longa nos apresenta a Rose-Lynn Harlan, uma mulher que, depois de passar um ano na cadeia, é mandada para o regime aberto (ainda com tornozeleira eletrônica) e tenta retomar seu sonho de ser uma estrela de Música country, sonhando em se mudar para Nashville, no Tennessee. No entanto, Rose-Lynn é frequentemente julgada por sua mãe, pela dona do estabelecimento em que trabalhava e pelo novo líder de sua antiga banda, vendo-se obrigada a buscar uma solução mais imediata para seus problemas sociais e/ou financeiros – e, com isso, acaba virando diarista de uma família de classe alta. Para sua surpresa, contudo, é justamente a patroa desta família quem mais demonstra apoio, dando a oportunidade de Rose-Lynn se apresentar para uma gravadora local e para uma festa de amigos próximos. É óbvio que eventualmente surgem alguns contratempos – e mais óbvio ainda é o fato de a protagonista ter que encará-los para alcançar seus objetivos.
Em contrapartida, quando parecia que não tinha como “As Loucuras de Rose” ser menos original, surge um elemento que, mesmo longe de ser inédito, ao menos busca algum tipo de frescor: a dificuldade de se reintegrar a uma sociedade em função do julgamento moral. Sem o apoio dos integrantes de sua antiga banda, Rose-Lynn é pesadamente rejeitada por sua mãe e pela sociedade de modo geral, o que se deve não apenas ao fato de ser uma ex-detenta, mas também de ter tido um filho antes dos 18 anos e de não ter total condição de sustentá-los – o que inspira muitos julgamentos morais a seu respeito, infelizmente. Neste sentido, o filme abre portas para duas discussões importantes: uma sobre a resistência de muitas pessoas a perdoar os erros cometidos por alguém e outra sobre como a mulher é cobrada infinitamente mais do que o homem quando o assunto é maternidade/paternidade.
Não que este seja o tema central do filme, mas… serve como um leve respiro de novidade – além, claro, de ser tematicamente relevante. É uma pena, no entanto, que o roteiro da estreante Nicole Taylor não desenvolva estas discussões com o peso necessário, conferindo um tratamento superficial a muitas possibilidades narrativas/temáticas/dramáticas. O mesmo se aplica, inclusive, à direção de Tom Harper (cuja carreira inclui apenas dois filmes: “War Book” e “A Mulher de Preto 2”), que conduz a narrativa com uma impessoalidade que sacrifica o envolvimento emocional do espectador e com uma leveza que limita o impacto de vários acontecimentos que deveriam soar mais pesados. Além disso, até mesmo o número musical que acontece no terceiro ato (e que marca a “volta por cima” obrigatória em filmes de superação) soa aborrecido e nada inspirado, tornando-se ainda mais embaraçoso graças às mudanças de comportamento súbitas de alguns personagens (a mãe e os filhos de Rose-Lynn de repente passam a enxergá-la com olhos mais condescendentes, por exemplo).
Ancorado pela boa performance central da irlandesa Jessie Buckley, que aproveita sua experiência como cantora para retratar as ambições artísticas de Rose-Lynn e encarna bem os conflitos internos da personagem (além de manter o sotaque propositalmente carregado, conferindo um detalhe a mais à sua personalidade), “As Loucuras de Rose” é o tipo de filme que, quando a protagonista se senta diante de uma câmera e começa a revelar seus talentos musicais para a patroa, surge uma luz solar atrás de sua cabeça, transformando-a quase num anjo. Não poderia ser mais óbvio, mas ainda assim funciona relativamente bem.