Influências Inferidas de D. W. Griffith em Leni Riefenstahl em South Park
Por Fabricio Duque
O diretor americano D. W. Griffith (22 de Janeiro de 1875 – 23 de Julho de 1948) criou uma linguagem cinematográfica e inventou uma nova estética visual cinematográfica quando realizou “O Nascimento de Uma Nação”, em 1915. Tanto que o cineasta russo Sergei Eisenstein compara a técnica de Griffith a do escritor Charles Dickens, por transformar sombras, luzes, câmeras e detalhes em concretismo visual, e foi o primeiro a utilizar dramaticamente o close, a montagem paralela, o suspense e movimentos de câmera. É uma crítica “segmentada” de negros versus brancos.
O filme foi banido de inúmeras cidades, incluindo Los Angeles (Sul), e mesmo com comportamento racista, estreou em Nova York (Norte) com os ingressos custando US$ 2 (caro para a época), permanecendo um ano em cartaz e levando mais de um milhão de pessoas aos cinemas. Sendo o primeiro filme a ser exibido na Casa Branca, para o Presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson (considerado pai do idealismo; lutou por uma Alemanha livre e com condições para um desenvolvimento econômico e democrático; e também por suas convicções racistas: reduziu bruscamente a participação de negros na política em muitos estados dos EUA, apesar de apregoar os Direitos Civis em sua campanha). As ideias do presidente, principalmente no livro “A História do Povo Americano”, estão no filme (“pôr ao sul branco sob a bota do sul negro”).
A “salvação” (ou “inspiração”) acreditada era fundar a organização Ku Klux Klan, uma “força heróica” e “um verdadeiro império para proteger o país sulista contra a anarquia dos negros”. “O Grande Radical” busca igualdade total de brancos e negros, “dirigindo” o poder do voto negro no sul, como uma “caridade do norte”, enganando os “ignorantes”. Uma negra do sul (que se acha branca) diz “Esses negros livres do norte me deixam louca”. Isso era em 1915. “A anarquia dos ideais esmagados” e “O leão social da nova aristocracia” são frases impressas, conduzindo à manipulação das ideias abordadas. “Os antigos inimigos do norte e sul se unem em defesa comum de seu direito ariano de nascimento”, diz-se, ou melhor, escreve-se. Silêncio. Isso em 1915. A apresentação narrativa faz com que o espectador “clame” pela KKK para que a cidade, “os brancos indefesos” e a “donzela” sejam salvas da “praga negra”.
“O Nascimento de Uma Nação” pode ser ofensivo, pode ser racista, pode ser radicalmente subjetivo e autoral, mas em hipótese alguma podemos desmerecer a importância histórica e cinematográfica (como base da criação da indústria de Hollywood). Charles Chaplin chamou o Griffith de “O professor de todos nós”. John Ford trabalhou em “O Nascimento de Uma Nação”. Em 1953 o Directors Guild of America instituiu D. W. Griffith com o prêmio mais importante, mas o conselho nacional do DGA—sem consultar os membros (o que não é legalmente necessário)—anunciou que o nome do prêmio seria modificado para o DGA Lifetime Achievement Award, porque o filme do Griffith O Nascimento de Uma Nação teria “cultivado estereótipos raciais intoleráveis”. Os seguintes ganhadores concordaram com a decisão da corporação: Francis Ford Coppola, Robert Altman, Sidney Lumet e Robert Wise. O filme relata as vidas de duas famílias durante a Guerra de Secessão e a subsequente Reconstrução dos Estados Unidos – os Stonemans, nortistas pró-União e os Camerons, sulistas pró-Confederação.
Inevitavelmente não podemos deixar de referenciar hoje em dia os filmes de Spike Lee e, recentemente, “Selma – Uma Luta pela Igualdade”, de Ava DuVernay, que foi indicado ao Oscar e que tem a apresentadora Oprah Winfrey de volta à atuação. Este filme de 2014 levanta a questão de se poder existir plenamente, independente da cor da pele. Certos adjetivos modificaram-se ao politicamente correto. E são necessários. O mundo mudou. Tanto que há um programa de televisão americana chamado South Park (que chega a sua vigésima temporada) que ganhou sucesso no mundo, por criticar e alfinetar severamente os conceitos preestabelecidos do comportamento social, e confrontar nossos preconceitos, ações e consequências para com o outro próximo. Mas a opinião sempre será individualizada, extremamente subjetiva. Se antes o negro não tinha nenhuma representatividade no meio social, era valorizado apenas como mercadoria, e cada um alimentava, de forma alienada, a massificação recebida, hoje, eles conquistaram proteções constitucionais. E aquele que se comportar como racista e ou expôr ideias contrárias aos direitos humanos será julgado pelas leis. O personagem Cartman do desenho animado embasa e personifica como um todo sua intolerância e a “pseudo” superioridade branca, hetero e americana no invólucro de status de uma criança que ainda aparenta inocência. Mas não. Cartman é a forma revisitada de Hitler nos dias atuais. E desta forma, com seu carisma e inteligência perspicaz consegue arrebanhar várias Leni Riefenstahl, como o personagem Butters.
Em 2016, uma nova versão de “O Nascimento de Uma Nação”, de Nick Parker ganhará os cinemas e passou como um furação no Festival de Sundance por explorar a vida de um dos principais nomes na luta contra a escravidão. E ser uma resposta dos negros ao filme de 1915.
Helene Amalia Bertha Riefenstahl, mais conhecida como Leni Riefenstahl nasceu em 22 de Agosto de 1902 em Berlim. Bailarina, atriz, produtora, montadora e realizadora de cinema, se tornou um “gênio maldito”, transformando seu talento em tragédia, tudo porque foi a mais importante cineasta alemã da era nazista, renomada por sua estética. Suas obras mais famosas são os filmes de propaganda que ela realizou para o Partido Nazista alemão. Submetida ao ostracismo na indústria cinematográfica após a guerra, seguiu profissionalmente como fotógrafa submarina, falecendo em 08 de setembro de 2003 (em seu obituário, foi dito que foi “a última figura famosa da era nazista na Alemanha a morrer”).
Leni iniciou sua carreira como dançarina. Numa entrevista em 2002 ela lembrou que dançar era o que a fazia realmente feliz. Quando teve de parar, ainda jovem, por causa de uma lesão no joelho, ela assistiu a um filme no cinema. E transferiu à arte cinematográfica a dança das imagens. Quando lhe ofereceram a oportunidade de dirigir “A Luz Azul”, ela aceitou. Leni ouviu Adolf Hitler discursar em um comício em 1932 e ofereceu a ele seus serviços como cineasta, porque teria ficado fascinada pelas habilidades oratórias do líder.
Em 1933, Leni dirigiu um curta-metragem sobre um comício do Partido Nazista. Hitler, então, pediu a Leni que filmasse a convenção anual do Partido em Nurembergue em 1934. A princípio, ela se recusou, sugerindo que Hitler contratasse Walter Ruttmann para dirigi-lo em seu lugar. Mais tarde, Leni Riefenstahl voltou atrás e realizou O Triunfo da Vontade, um documentário considerado por muitos como uma das melhores obras de cinema já produzidas. Ela prosseguiu, realizando um filme sobre a Wehrmacht (exército alemão), intitulado O Dia da Liberdade.
Em 1936, Leni Riefenstahl qualificou-se para representar a Alemanha no rali de esqui nos Jogos Olímpicos de 1936, mas, em vez disso, preferiu filmar o evento. O material captado virou o filme Olympia, celebrado por suas inovações técnicas e estéticas até hoje influentes em toda a cobertura esportiva da televisão. Sendo que o esporte como conhecemos hoje, nasceu e se glorificou na Alemanha nazista, o primeiro país do mundo a popularizar o esporte nas camadas mais pobres até as mais ricas.
Após a Segunda Guerra Mundial, ela passou quatro anos presa num campo de concentração francês. Foi acusada de usar prisioneiros nos sets de filmagens, mas tais acusações nunca foram provadas em tribunal. Ao final do julgamento, sem conseguir encontrar nenhuma imputabilidade no apoio de Leni aos nazistas, o tribunal considerou-a apenas “simpatizante”. Em entrevistas posteriores, Leni Riefenstahl insistiu que tinha sido fascinada pelos nazistas, mas que era politicamente ingênua e ignorava as falhas cometidas na guerra.
Nós precisamos revisitar o passado e pensar que naquela época, o Nazismo era uma prática aceitável, sinônimo de salvação, progresso e sucesso. Por isso, Hitler, com o carisma da palavra, conseguiu construir uma hegemonia opinativa. Logicamente, muitos não sabiam das consequências que viriam ser desencadeadas. E também devemos adequar nossas ideias atuais ao comportamento vivenciado no pretérito. Sim. Era outro mundo. Mulheres, negros, gays, judeus permaneciam como “objetos” (palavra exata que constava na Carta Constitucional).
A época de auge de Leni, que durante vida dirigiu sete filmes, via e entendia o cinema como uma forma informativa, de representar a própria realidade. O cinema era (é) a invenção da imagem em movimento, e uma oportunidade de exemplificar mais energicamente o poder mental. A informação chegava mais rápido, mais eficiente e mais diligente. Poderia ser, muitos dizem, que era a grande “arma de dominação” pelos propagação da pseudociência pelo artifício das mensagens sublimares.
Leni sabia muito bem o poder que tinha nas mãos. Um alto grau de manipulação por percepção psicológica. E conjugada com sua maestria inteligente de inovar estéticas e metáforas visuais. E ela precisou “dançar conforme a música”, ainda que esta música tenha se tornado “confortável” e acostumada.