Amores Expressos
As diferentes formas de amar de Wong Kar-Wai
Por Thiago Barboza
“Amores Expressos”, tradução em português de “Chungking Express”, é um filme de 1994 dirigido pelo conceituado Wong Kar-Wai. Este é seu quarto longa-metragem de sua filmografia, mas mesmo sendo em um momento considerado inicial de sua carreira, o filme é tratado como sua obra-prima, onde ele consegue implementar as características que compõem sua assinatura da melhor forma até hoje. Trata-se principalmente sobre o amor e o ato de amar, fio condutor constante no trabalho do realizador em suas obras.
Logo nos primeiros instantes do filme, a visão de Kar-Wai é gritante em tela. Em parceria com Christopher Doyle, fiel fotógrafo de seus filmes, a dupla consegue inserir o espectador em um mundo ambientado que o diretor sempre imaginou. Com uma fotografia viva, com cores bem realçadas e um neon que é imponente através de todos os momentos, nós somos imersos em sua metrópole caótica dos anos 90. Além desse fator das cores, outro ponto onde a fotografia se destaca é o incessante uso de lentes e técnicas de câmera que criam uma distorção na imagem que vemos, mas ao mesmo tempo cria também um mise-èn-scene para nos acostumarmos com o plano de fundo que Kar-Wai usa em seus filmes, a bela Hong Kong.
Uma vez que o diretor trata o amor como ponto focal em suas obras, em “Amores Expressos”, é possível também dizer que o filme é uma carta apaixonada para sua cidade natal, lugar que filmou a maioria de suas obras. Tanto em “Amores Expressos”, como em “Anjos Caídos”, filme que veio na sequência, ao retratar a cidade através das lentes e das cores de Doyle, Kar-Wai cria um ambiente de familiaridade em que não esconde as imperfeições dos locais por ele transportados. A multidão, a sujeira, a criminalidade, todos esses aspectos, apenas uma parte de tantos outros, são mostrados sem pudor e é exatamente esse um dos pontos que nos contrabandeia de tal forma para a realidade do filme.
Nós acompanhamos o fio narrativo fragmentado, mas um ponto comum em todos esses momentos é a cidade e assim nos transfere um fascínio sobre este mundo tão diferente, e ao mesmo tempo tão relacionável. Uma vez mergulhados na cidade que Wong Kar-Wai tanto ama, conhecemos os personagens das histórias que este tradutor deseja nos contar. Como dito anteriormente, “Amores Expressos” apresenta uma estrutura segmentada, onde acompanhamos duas histórias dentro do filme, diferente de uma linha mais “usual” de uma história única que permeia a trama. Inicialmente na trama nós seguimos o policial numerado 223 e a misteriosa mulher com uma peruca loira. A falta de nome de ambas as personagens, que não estão ali com o intuito de conhecermos a fundo suas histórias, seus nomes, seus passados, é proposital à medida que o filme acontece. O que “Amores Expressos” instiga à plateia é que devemos caminhar junto a essas personagens, tudo por um recorte muito específico em suas vidas, onde o amor acontece das mais diversas formas. Com esse pressuposto assimilado, o filme se torna outro completamente.
Nós enxergamos como o policial lida com esse amor, com a rejeição e com a excitação do (re)amar. Em contrapartida, temos a personagem feminina, propositalmente a antítese do policial, vivenciando uma criminosa metódica, que dificilmente se abre para qualquer um. E é exatamente nessa contradição que floresce uma história que não é perfeita e que não tem final feliz, mas que marca a experiência do espectador. Quando há interação entre eles, ocorre demonstração de um incomum afeto, talvez confortável pela primeira vez em anos. E um, sem conseguir deixar sua profissão de lado, no caso, o policial, apenas assiste a misteriosa mulher dormir, quase como um guardião. Ou na segunda parte agora, que agora é numerado por 663, ele observa e permite a presença, por exemplo, de uma garçonete recém-contratada em uma lanchonete, chamada Faye. Mais uma vez, notamos que para o diretor chinês, não há local e hora exata para o amor acontecer, ele está presente nas mais diversas roupagens.
Agora que conhecemos as personagens, preciso fazer um breve parênteses para falar das atuações de “Amores Expressos”. Percebe-se que os protagonistas e os coadjuvantes entregam uma naturalidade necessária para o filme por arquétipos pré-definidos, sem caricaturas. A direção potencializa o realce das atuações, só que é inegável que sem a mestria da encenação de todos os atores envolvidos, o longa-metragem definitivamente não seria o mesmo. Depois do policial e da garçonete, “Amores Expressos” nos apresenta um outro tipo de relacionamento, um mais tímido, comedido, mas não menos amoroso. Nós conseguimos reparar as nuances desse ato de amar, nem sempre visível a todos os envolvidos. Amar, para Kar-Wai, pode ser algo tão grande, que se torna imperceptível para alguns. Aqui, a trilha sonora de ambientação é mais sutil, visto que agora a música dita o rumo do relacionamento dos dois. “California Dreamin’” é constante, e no jogo de diegética e não diegética, trazendo uma marcação mais fervorosa.
Em “Amores Expressos”, nós continuamos a acompanhar essa relação não costumeira, causando inclusive estranheza, porém é exatamente esse quesito que afasta uns e que maravilha outros. Diferentes épocas, países, locais, tudo, tudo influencia na mensagem de Wong Kar-Wai, que é: não há jeito errado de amar. Ao longo de sua filmografia, o diretor se aventurou em diversos gêneros, indo do épico à ação, mas é inegável que sua assinatura maior é quando ele se debruça neste sentimento que todos buscam sentir. Nos amores expressos de “Chungking Express”, encontramos a amostra mais fiel e mais pura dessa visão, que sem sombras de dúvidas, nos presenteia com essa obra especial, que define totalmente a carreira de seu diretor.