Direção: Pablo Trapero
Roteiro: Alejandro Fadel, Martín Mauregui, Santiago Mitre, Pablo Trapero
Elenco: Ricardo Darin, Martina Gusman
Fotografia: Julian Apezteguía
Montagem: Ezequiel Borovinsky, Pablo Trapero
Música: Lim Giong
Produção: Pablo Trapero
Distribuidora: Paris Filmes
Duração: 107 minutos
País: Argentina / França / Chile
Ano: 2010
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM
“Se podia evitar não é um acidente, e sim um incidente”, diz-se entre os muitos diálogos que corroboram características típicas do cinema argentino. As conversas apresentam-se defensivos, agressivos, debochados, sarcásticos, desprovidos de paciência, tensos, agitados, hiperativos e vitimados pelo próprio meio em que vivem. É como se os seus personagens estivessem sempre em estado de alerta, não conseguindo o relaxamento de apenas vivenciar os momentos. “Carancho” é o mesmo que carcará. Ave falconídea comum na América do Sul que se alimenta de outros animais mortos. Aqui foi traduzido como “Abutres”. A trama trata a palavra como um parasita. Na Argentina, mais de 8.000 pessoas morrem em acidentes de trânsito a cada ano. Atrás de cada uma dessas tragédias existe uma máfia por prêmios de seguros e suas brechas legais. Sosa é um “urubu”, um advogado especializado em acidentes rodoviários. Todos os dias ele vai aos locais de acidente, aos setores de emergência dos hospitais e às delegacias procurando clientes. Seu trabalho é lidar com as testemunhas, policiais, juízes e companhias de seguro. Mas o que seus clientes não sabem é que a agência para a qual trabalha está envolvida em esquemas de corrupção e desvio de dinheiro. Quando se apaixona pela jovem paramédica Luján, Sosa decide se aposentar do trabalho sujo e viver ao lado dela.
Mas seu passado não o deixará tão facilmente. A sinopse acima fornece ao espectador interessado uma ideia superficial do tema que o diretor Pablo Trapero utiliza em seus filmes. “Do outro lado da lei” e “Leonera”, entre outros, utilizam-se da polêmica para fazer com que o mergulho seja integral. Há uma violência natural, intensificada pelos planos detalhes – com a intenção de que essa intimidade absorva a presença do espectador. Pablo escala um dos maiores atores do novo cinema latino-americano, Ricardo Darin. Com um sucesso atrás do outro, “Filho da Noiva”, “Nove Rainhas”, “O Segredo dos seus olhos”, entre tantos, Darin firma-se com competência, técnica e talento. É a combinação perfeita. Um diretor que usa o realismo como narrativa e um ator que não tem medo de se entregar totalmente a um papel. Isso faz com que a condução da história, interagindo e contracenando com os outros atores, seja magnifica e funcione plenamente. As interpretações escolhem a sutileza do olhar e ou de ações para se expressarem. “Por que me olha com medo?”, diz-se com a aproximação (zoom) da camera de forma lenta e gradual. O realismo pode ser exemplificado pelos procedimentos médicos (quando se dá pontos mostrando o furo na pele). Os personagens objetivam sobreviver no caos da vida. Experimentam a dicotomia maniqueísta. Mas não há certo e ou errado. São infrações (contravenções) humanizadas. Defende-se o ser assim como única possibilidade no caminho deles.
“Até quando vai fingir que manda?”, diz-se, entre perguntas retóricas, descrevendo mais algumas inerências (dizer o que se pensa sem a preocupação de ferir o outro) do grupo que está sendo retratado. Os limites apresentados seguem uma linha que gera uma bola de neve. O fato dos personagens não dormirem acarretam nervosismo que afetam o psicológico que geram ações impensáveis e desprogramadas (como o vício em drogas estimulantes – tendo a médica a facilidade pelo fato disso ser um instrumento de seu trabalho), mitigando, assim, o sono. O roteiro traz a tona a ética dos indivíduos. Um precisa utilizar-se da desgraça alheia (na maioria das vezes a manipulando e a fazendo acontecer – pequenas tramóias) para que possa ganhar dinheiro. Retratam-se tipos e variadas vidas, mas como já disse, não se julga, e sim humaniza-se. O longa critica a “máfia” dos hospitais e das seguradoras. A narrativa cria a tensão visceral da própria reviravolta, tentando de toda forma “enganar” quem está assistindo e criando a metáfora médica da necropsia. É um jogo de ações paralelas que manipulam o entendimento das próprias consequências da trama. Concluindo, é um filme extremamente interessante, ágil, competente, violento, realista, mas que é prejudicado pelo excesso dos mesmos pontos positivos, repete-se a recorrência, o tornando redundante. Recomendo mesmo com o que acabei de dizer. Um Certo Olhar do Festival de Cannes 2010.
Nasceu em 1971, em Buenos Aires. Estudou Arquitetura, e depois Cinema na Universidad del Cine em Buenos Aires. Seu primeiro longa-metragem, Mundo Grúa (1999), recebeu o Prêmio da Crítica no Festival de Veneza e o prêmio de Melhor Filme no Festival de Rotterdam. Em 2002, participou da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes com Do outro lado da lei. Em 2007, ganhou o Kikito de Melhor Filme Estrangeiro no Festival de Gramado com Nascido e Criado.