Curta Paranagua 2024

A Sindicalista

De vítima à culpada: uma caminhada até a inocência

Por Paula Hong

A Sindicalista

Uma ligação. As vozes são de duas mulheres. A primeira voz, de uma policial; a segunda, de quem telefonou. Esta denuncia e brevemente descreve uma violência física. Ela não é a vítima, mas sim a personagem principal do filme: Maureen Kearney, interpretada por Isabelle Huppert. O diálogo em off apoia o frenesi de policiais e perícia em volta e dentro da cena do crime: a própria casa da personagem. Seu marido, Gilles Hugo (Grégory Gadebois), se depara com a turbulência que passaria a ser ainda mais disruptiva em suas vidas. A câmera o segue e nos guia à vítima que olha para o quintal de sua casa com olhos dormentes e opacos. A cena de abertura de “A Sindicalista” demonstra a atmosfera frenética, pesarosa e angustiante que será explorada durante o filme. Baseado em uma história real, a mais recente obra de Jean-Paul Salomé reconstrói a luta pessoal de Kearney contra forças desestabilizadoras vinculadas ao Estado e a indústrias nucleares internacionais — luta esta que passou da representante dos direitos trabalhistas para mais uma das vítimas que da empresa multinacional para qual trabalha. 

A que abre o filme “A Sindicalista” regressa para meses antes ao ocorrido. Com isso, é mostrada a destreza e energia política com que Kearney (antes de sindicalista, professora de inglês) se relaciona com os empregados e os empregadores. Ela é continuamente descrita por seus colegas de trabalho, inclusive a CEO da empresa, Anne Lauvergeon (Marina Foïs), como uma mulher exigente que não arreda facilmente, que não mede esforços para defender os interesses da empresa ao mesmo tempo que luta pelos direitos trabalhistas de seus funcionários — sobretudo aqueles que se encontram na linha de frente dos serviços mais pesados. E, de fato, a descrição bate com suas atividades enquanto sindicalista. Suas relações familiares não são ofuscadas pela ocupação, mas parar de trabalhar como representante é colocada como uma opção postergada em uma conversa que tem com o marido e os amigos. 

A apresentação das personagens que se farão presentes (em maior ou menor grau) durante o filme é seguida da mudança de CEO da empresa — de uma mulher para um homem, Luc Oursel (Yvan Attal). As tensões e conflitos entre Maureen e os vários homens de terno e gravata ganharão proporções para além dos interesses que se convergem. A partir da prova que Tirésias (Christian Hecq), engenheiro da empresa concorrente a entrega, a sindicalista junta as peças do quebra-cabeça e lança luz sobre um acordo internacional entre empresas internacionais que ameaça o desemprego de uma grande gama de pessoas. Com isso, ela dá os primeiros passos a denúncias e exigências que serão respondidas com intimidações, perseguições e ameaças. Ela retruca buscando apoio de políticos, incluindo o presidente eleito. Na manhã do dia da reunião com ele, a violência descrita no começo do filme é cometida. A partir daí, o maior tempo do filme é dedicado à investigação cheia de falhas. 

A descrição verbal da violência no começo do filme torna-se imagem. Assim como Maureen,  somos impelidos à sua reconstrução mais de uma vez. A prontidão com que lidam com o caso passa a impressão de comprometimento em solucioná-lo. No entanto, “A Sindicalista” mostra que as peças desse jogo do mundo versus Maureen mexem-se de modo a pintá-la como culpada, e não como vítima. Em uma montagem de sequência de entrevistas com pessoas do círculo social e profissional da sindicalista, a força policial investigadora recolhe “provas” que montam uma narrativa contra ela: do prontuário psicológico aos seus interesses literários (romances policiais); dos depoimentos da ex-chefe e do chefe atual aos dos familiares; do registro de uma denúncia de estupro que sofrera quando jovem. Ao final dessa narrativa que pressiona uma confissão, eles a colocam como mitomaníaca e criadora da própria violência.

O tempo do filme dedicado ao caso faz jus ao tempo que Maureen tem lidar com ele: são longos anos (de 2012 a 2018) de batalha na investigação e contra as conspirações que se seguem a fim de destruir sua imagem e sua família para, então, abrir caminhos para a concretude dos acordos internacionais. Ela é, para eles, um incômodo a ser eliminado. “A Sindicalista” retrata isso muito bem pela quantidade absurda de homens que a rodeiam o tempo todo. É até difícil de decifrar qual deles está de fato do lado da vítima e qual está contra. O longa-metragem mostra os lobos em pele de cordeiro, ou melhor, travestidos de terno e gravata, moveram forças para destruí-la e colocá-la na prisão.

O julgamento da sindicalista retrata a sua solidão frente a essas violências que a encurralam. Elas tornam-se piores e mais angustiantes quando o julgamento está sob decisão de mulheres juízas. A cena do julgamento reflete pensamentos da época, quando as discussões pungentes — principalmente advindas dos movimentos feministas — não eram bem recebidas, jogadas para a tangente e não levadas em consideração como são na atualidade.  

Por um tempo, Maureen se afasta do sindicalismo. Volta a dar aulas de inglês no ensino fundamental. Sua vida parece ter acalmado. Mas mudanças acontecem e o mundo as acompanha, apesar da resistência de alguns. Ela resolve provar sua inocência. Revê o próprio caso, reencena a violência, contrata outro advogado. De fato, ela não arreda. Outro julgamento é marcado. Sua inocência é provada e as diversas falhas durante a condução da investigação são reconhecidas. Os autores do crime não foram encontrados até hoje. A descrição do terceiro ato de “A Sindicalista” neste parágrafo é proporcional a ele: nesse momento, o filme corre para uma resolução, e parece apressado em comparação com o tempo que dedica à investigação anterior. No entanto, o filme especula em várias cenas um subtexto que entrega as respostas ao espectador.

3 Nota do Crítico 5 1

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