Diferente e todo mundo entende
Por Fabricio Duque
Um dos deveres de todo e qualquer crítico é buscar entender a essência dos filmes, o gênero empregado e para quem se destina. E cada um necessita de um olhar diferenciado. “A Pequena Travessa” é um desses exemplos por se integrar à lista de obras infantis, imprimindo comportamentos típicos de uma ilimitada pureza, de uma inocência excêntrica-pastelão e de um imaginação além do fértil. Sim, a experiência cinematográfica pode soar ingênua demais aos adultos que traçam linhas analíticas, mas ao público alvo, o longa-metragem estende a própria existência do momento dos pequenos, conversando de igual para igual. Então, nada mais justo que adequar nos olhos e percepções às vivências dessa geração em crescimento.
“A Pequena Travessa” (2018) tem nacionalidade alemã, mas seu objetivo central é ampliar geografias pululando referências do universo pop infantil e importando narrativas e dramas de filmes semelhantes (como “Dumbo” e a mãe doente, por exemplo), e até mesmo a sessão para imprensa entrou na dança ao ser exibida dublada em nossa língua materna, o português. O filme quer trazer a atmosfera lúdica e de vida simples, bucólica e circense de uma comunidade interiorana, com um que mesclado da novelinha “Sítio do Pica-Pau Amarelo” com o seriado “Castelo Rá-Tim-Bum”, e se condensando em “DPA – Detetives do Prédio Azul” com “Gaby Estrela”.
E principalmente em “Dr. Dolittle”, de Betty Thomas, que o próprio título em inglês usa “Little miss Dolittle” e que também pode ser um paralelo com “Pequena Miss Sunshine” (2006), de Valerie Faris e Jonathan Dayton. O original “Liliane Susewind – Ein tierisches Abenteuer” pode ser traduzido literalmente por “Uma Aventura Animal”. Tudo porque Lili, nossa protagonista (a atriz Malu Leicher) tem o dom de conversar com animais, igualzinho no filme de 1998 interpretado por Eddie Murphy, e ou no de 1967, o musical “O Fabuloso Doutor Dolittle”, de Richard Fleischer, que por sua vez é baseado na na série homônima de livros infantis de Hugh Lofting.
“A Pequena Travessa”, dirigido por Joachim Masannek (da saga alemã “Die Wilden Kerle”), é um filme para que a família assista junto nas Sessões da Tarde antes da novela. E ou um seriado estendido da Nickelodeon. O público embarca em uma série de desventuras atrapalhadas ao pastiche (como o discurso do Prefeito e consequência escatológica), em uma sensação de “Os Três Patetas” ainda mais urgente e exagerado. É uma fábula que dá vida aos animais e que passa a mensagem que “ser diferente é permitido e que todos entendem”, como o burro mágico que acredita ser um unicórnio.
O longa-metragem aborda o respeito de ser o que se é. De permitir a imaginação na realidade do agora de “se liberar”. Que tem sua condução no pai de Lili, um sonhador inveterado, avoado e desligado do mundo físico (o ator Tom Beck) que “só precisa disso para viver”. A menina precisa se “adaptar”: encontrar amigos humanos, ser “normal e entediante” e não mais “especial e estranha” de “sentir tédio pelas coisas normais”. E até mesmo o cachorro precisa aprender a fazer coisas de cachorro.
Os “perigos” de “A Pequena Travessa” são impulsivamente desastrados, passionais e imediatistas: as populares da escola, “patricinhas” cruéis que criam ofensas e Bullying; as manipulações da vilã Femme Fatale Cruela que quer comer literalmente os animais. Aqui, o estranho é potencializado por músicas de efeito, como a Coronel, a “mulher mais estranha do Zoológico”, que mais parece o “Chapeleira Maluco”, de “Alice no País das Maravilhas”. Todos são “criaturas iguais a nós” que comem “pizza de Marshmallow”.
Esses pequenos, à moda de “Os Goonies” (1985), de Richard Donner, embarcam em investigações, pistas, óculos de visão noturna, personagens “Mad Max” e mistérios para desvendar o sumiço dos animais. É um filme que precisa destituir a lógica para acontecer. O conceito é mais importante do que a forma de fazer. Que busca ensinar o “dom especial de ajudar aos outros e a si próprio”, impulsionando a redenção, a persistência da pureza, a certeza de nunca alterar o eu interior para agradar aos outros, que amigos surgem especialmente em situações de união. Concluindo, “A Pequena Travessa”, como foi dito, é destinado às crianças para que curtam e aproveitem suas questões de idade representadas na tela do cinema nesta versão alemã com bastante que de “Pedro Coelho”, de Will Gluck.