A Mostra de Cinema de Gostoso 2021 por seus Curadores
Uma conversa virtual com Eugenio Puppo e Matheus Sundfeld
Por Fabricio Duque
Toda curadoria de um festival de cinema é uma aventura. Um processo de aceitar adaptações (dificuldades e arranjos) e discernir a importância de cada escolha. No livro “Curadoria, Cinema e Outros Modos de Dar e Ver“, o organizador, professor e ensaísta Gabriel Menotti buscou enfatizar a “complementaridade entre visão e exibição, como práticas igualmente ativas na produção do sentido e do valor de cada obra”. “Como bem apontou Sean Cubitt, a projeção de imagens e a sua recepção pela audiência são identificadas por uma certa reciprocidade. Se a prerrogativa de se presumir o dar e o ver é uma prerrogativa do curador, ao mesmo tempo, essa definição imputa uma dose extra de responsabilidade”, explica Gabriel. Sim, ser um curador não é simplesmente escolher filmes, mas essencialmente encontrar conexões com a realidade, que pode ser um passado, um presente e/ou até mesmo um futuro. É “intermediar imagens”.
Por tudo isso, e com o agravante limitador de se estar em plena crise pandêmica do Coronavírus, os curadores e diretores gerais da Mostra de Cinema de Gostoso (leia AQUI nosso Tudo Sobre a edição deste ano e acompanhe AQUI nossa cobertura que já começou), Eugenio Puppo e Matheus Sundfeld, precisaram colocar mais extras no processo de curar a mostra que chega aos seus sete anos. O Vertentes do Cinema realizou um mini entrevista com os responsáveis máximos do evento, de forma totalmente online, sem nenhum contato físico, mas sempre estimulando a praiana atmosfera “gostosa”, ainda que virtual (e sem óculos especiais).
Como foi pensar a curadoria da Mostra de Cinema de Gostoso pelo formato online?
Por se tratar de uma edição especial da Mostra, elaboramos uma série de adaptações na programação, como por exemplo a definição de um eixo temático, o que não fazemos anualmente nas edições presenciais. Como não abrimos inscrições de filmes, enviamos convites aos realizadores, portanto foi um processo de curadoria mais direcionado, com um volume menor de filmes. Isso envolve também um processo de negociação com produtores e distribuidores, tendo em vista a disponibilização online dos filmes, que por não serem exibidos em um local físico específico, suscitam questões quanto à segurança de exibição e abrangência geográfica.
Por que a escolha do tema memória?
Optamos por centrar o debate sobre a memória no que diz respeito à preservação audiovisual brasileira, mas isso também acabou norteando a seleção dos filmes contemporâneos, que trazem uma reflexão da memória a partir de aspectos mais subjetivos e pessoais. Nossa proposta é criar ao longo de toda a programação um diálogo entre o passado e o presente de nossa produção audiovisual e gerar uma tomada de consciência sobre a importância do trabalho das instituições de preservação audiovisual.
Por que a preservação é tão importante nos dias de hoje?
O eixo temático da Mostra leva em consideração o estado de crise que se encontram os órgãos de preservação da memória audiovisual brasileira. A Cinemateca Brasileira, maior acervo audiovisual da América do Sul, por exemplo, zela por mais de 250 mil rolos de filmes e, atualmente, passa pelas maiores dificuldades de sua história. Um conteúdo central da edição deste ano para essa discussão é a masterclass “Preservação e Patrimônio Audiovisual” gravada pela preservacionista audiovisual Ines Aisengart Menezes. Serão disponibilizados nove vídeos especialmente gravados para a 7ª Mostra de Cinema de Gostoso, sobre preservação de patrimônio audiovisual, abarcando os conceitos, as práticas, a história e os desafios da área. Em um dos conteúdos enviados pela Ines à nossa equipe enquanto ela estava preparando a masterclass, nos deparamos com a informação de que menos de 6% do cinema brasileiro produzido até os anos 1930 sobreviveu, enquanto no resto do mundo essa taxa variou entre 15% e 20%. Sem ações e políticas concretas de preservação de nosso acervo audiovisual, continuaremos a encarar números tristes como esses. A 7ª edição da Mostra de Cinema de Gostoso digitalizou dois filmes e vai exibir quatro filmes inéditos no streaming.
Vocês não acham que é quase um manifesto crítico abordar a memória neste mundo de hoje tão efêmero e líquido?
Em nosso texto de curadoria, mencionamos um trecho do artigo do crítico Juliano Tosi sobre o filme “Cinemateca Brasileira”, dirigido por Ozualdo Candeias em 1993, que compõe a Mostra Acervo, que faz uma síntese precisa de nosso cinema, mas que também podemos estender para como lidamos com a memória nos dias de hoje:
(…) quando, sobre certa imagem de latas de filme empilhadas, diz a locução:
“Balançando assim, filme brasileiro, com certeza!”. (Balança, mas não cai, graças ao diletantismo e à determinação de todos que teimam em manter de pé esta arte bastante instável que é o cinema brasileiro.)
O que acontecerá se continuarmos perdendo nosso passado? Que memórias permanecerão das ruínas do desastre sanitário, social e político dos últimos meses?
Matheus Sundfeld e Eugenio Puppo