Mostra Um Curta Por Dia A Repescagem 2025 Junho

A Melhor Mãe do Mundo

A superação dos limites pelo amor

Por Clarissa Kuschnir

Durante o Festival Cine PE 2025

A Melhor Mãe do Mundo

Não há como falar do novo longa-metragem de Anna Muylaert, “A Melhor Mãe do Mundo” sem antes fazer uma paralelo com os curtas-metragens “Lôra”, da cineasta Mari Moraga (exibido aqui na Mostra Um Curta Por Dia) e “Catadora de Gente”, de Mirela Kruel. Ambos os filmes, documentários, são dirigidos por mulheres que ganharam importantes prêmios em festivais de cinema, como Gramado (“Lôra”) e o É Tudo Verdade (“Catadora de Gente”) em que duas personagens são abordadas: as catadoras de lixos recicláveis, ambas mulheres pretas, com histórias impactantes de vida e sobre o dia-a-dia de se viver nas ruas, enfrentando obstáculos para que possam sobreviver com o mínimo de dignidade. 

Em “A Melhor Mãe do Mundo”, exibido aqui no Cine PE – Festival do Audiovisual 2025, após ter passado no Festival de Berlim deste ano, Anna apresenta Gal, uma catadora de recicláveis, só que aqui é de ficção, vivida plenamente pela talentosa e carismática atriz  Shirley Cruz, que se entrega com maestria (e vontade) no universo destas batalhadoras das ruas. Neste filme, a cineasta debruça-se para trazer ao universo da personagem o papel de uma mãe (muito presente ultimamente nos filmes de Anna), que faz de tudo para que suas filhas sejam felizes. Sim, parece lógico e meio óbvio colocar que toda mãe quer o melhor para que suas crias. Mas no caso de “A Melhor Mãe do Mundo”, a condição da Gal, que passa horas empurrando um carinho de 300 quilos (segundo a própria atriz disse na coletiva de imprensa aqui em Recife) à procura de recicláveis pela cidade de São Paulo, é bem mais complexa, já que seus filhos estão com seu companheiro Leandro (Seu Jorge), por quem ela ainda é apaixonada e sente desejo, mas que foge dele por sofrer abusos. 

E olha que Leandro é o típico marido que à princípio, sem aparecer no começo do filme, já entrega o que vem pela frente, logo na primeira cena. No desenrolar da história, esse homem apresenta-se como um homem carinhoso, que leva flores para a mulher, que se mostra amoroso e apaixonado, e que insiste em manter o relacionamento, caindo naquele dito popular, “pele em lobo de cordeiro”. E esse pouco que Seu Jorge aparece se torna uma presença marcante. Voltando à personagem principal, a leveza “A Melhor Mãe do Mundo” faz-se pela presença das crianças que são resgatadas pela mãe e que passam a viver uma aventura pelas ruas movimentadas da cidade de São Paulo. Essas crianças são um caso (maestria) à parte (palmas à preparação de elenco!), vividas por Rihanna Barbosa e Benin Dailher que mantêm seus nomes originais na trama, dão um show. 

Tudo flui tão naturalmente tanto para Gal como para seus filhos da ficção. É justamente nessas aventuras pela cidade que o filme alcança seu mérito. Tudo agora em “A Melhor Mãe do Mundo” fica tão lúdico, fazendo com que a gente passe a viver essa história junto deles, torcendo para este trio sobrevivente. É nesse quesito que o filme encanta, que mora sua força e sua potência: o de criar uma realidade dentro de uma vida tão difícil, tão sofrida, de uma mulher que fica na dúvida entre voltar para o marido abusador ou recomeçar sua vida bem longe ao lado de seus filhos.  As ruas passam a ser o lugar de fala da personagem. E a cidade, um processo das relações de Gal, que se junta em momento familiares até chegar a uma ocupação, lugar possível que escolhe como uma nova casa. 

Nessa parte da história (da nova morada), “A Melhor Mãe do Mundo” escorrega um pouco e perde ritmo. Ao chegar em um dos apartamentos, pela indicação de uma personagem PCD, interpretada por Rejane Faria, é como se estivesse entrando em um apartamento mais popular do que uma ocupação, todo pintado, perfeitinho e até mobiliado. Faltou realidade na direção de arte. Ou seja, utópico demais para quem mora em São Paulo e têm uma visão formada de como são as ocupações. Mas tirando esses detalhes, o filme flui bem, e as interpretações seguram do começo ao fim. 

As cenas das ruas São Paulo complementam-se. Em uma delas, Gal e seus filhos resolvem entrar na Fonte dos Desejos, que fica nas escadarias abaixo do Teatro Municipal. É como se ali houvesse uma espécie de felicidade sem fim (assim como Anita Eckberg na Fontana di Trevi em “La Dolce Vita”, de Federico Fellini), mesmo burlando as regras e enrolando os guardas locais. É, tudo é permitido para a felicidade de uma mãe e a superação de um passado deixado para trás, com resiliência e coragem. “A Melhor Mãe do Mundo” fez sua estreia mundial na 75ª edição do Festival de Berlim, fora da competição, foi muito bem recebido e que aqui, no Cine PE seja assim também. 

3 Nota do Crítico 5 1

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