Nem sempre faz jus às suas ambições
Por Pedro Guedes
“A Lenda de Golem” é mais um exemplar desta corrente de filmes de terror recentes que preferem se concentrar mais na atmosfera e nos dilemas internos dos personagens do que nos sustos, na escatologia e nas assombrações em si (há um segmento da comunidade cinéfila que insiste em chamar isso de “pós-terror”, o que, para mim, não faz muito sentido considerando que este tipo de filme existe desde o início do Cinema). Até certo ponto, o trabalho dos irmãos Doron e Yoav Paz (“Jerusalém”) funciona relativamente bem neste sentido; o problema é que chega um momento onde a dupla parece se sentir obrigada a atender às vontades do “povão”, criando sequências grotescas e sangrentas que não combinam com o terror psicológico proposto na maior parte do tempo.
Produzido em Israel, “A Lenda de Golem” gira em torno, como o próprio título sugere, no ser artificial místico golem que faz parte das tradições judaicas – e o roteiro, escrito por Ariel Cohen, nos apresenta a Hannah e a Benjamin, um casal que perdeu um bebê há pouco tempo e cogita seriamente tentar mais uma criança. Depois de discussões acirradas a respeito da decisão, uma epidemia começa a contaminar a área na qual os dois vivem e os judeus presentes na região são imediatamente culpados por isso. A partir daí, Hannah resolve tomar uma atitude extrema: invocar o golem, que logo surge na figura de seu filho. O problema é que, à medida que a história avança, aos poucos descobrimos que a criança/criatura representa uma ameaça à vida de todos naquela região, levando o casal (mais Hannah do que Benjamin, na verdade) a lutar para defendê-la – afinal, o golem não deixa de ser filho dos dois.
Como podem perceber, o roteiro de “A Lenda de Golem” propõe alguns arcos dramáticos promissores, não sendo surpresa, portanto, que alguns deles gerem discussões interessantes. Assim, é difícil condenar a atitude de Hannah, já que a vontade de superar um trauma (a perda do bebê) é algo perfeitamente plausível – da mesma forma, é compreensível que a mulher se recuse a abandonar o golem, lutando para defendê-lo mesmo reconhecendo que o perigo que ele representa para seus conterrâneos. Já os demais personagens que vivem naquela região surgem como vilões que certamente poderiam pertencer ao mundo real, já que são um monte de antissemitas ignorantes e entregues ao fanatismo religioso (se somarmos isto ao contexto da época em que o filme se passa, os antagonistas tornam-se ainda mais convincentes e hostis).
Por outro lado, Doron e Yoav Paz se mostram particularmente irregulares ao dirigirem o projeto: sim, existem momentos onde a dupla consegue estabelecer um clima de tensão, construindo aflição a partir dos medos e das ações extremistas dos personagens; é uma pena, no entanto, que logo chegue uma hora onde os cineastas subitamente tentam deixar o filme mais “comercial”, investindo em escatologias e exageros tolos que talvez conquistem o público médio com mais facilidade, mas que pouco tem a ver com o terror psicológico que havia sido indicado até então. Para piorar, estas sequências mais grosseiras são prejudicadas por diversas limitações orçamentárias, transformando os tiros, as facadas e as demonstrações de telecinesia em… bem, um monte de explosões toscas de sangue digital (às vezes, parece até que os efeitos visuais foram criados num aplicativo para celular, de tão horrorosos que são).
Como se não bastasse, a trilha sonora de Tal Yardeni parece fazer questão de mastigar, para o espectador, todas as sensações que o filme está tentando provocar, como se tentasse compensar a tensão que alguns momentos falham em despertar através de música alta e de notas gravíssimas – tudo em altíssimo volume e do início ao fim. O que “A Lenda de Golem” não entende, porém, é que recursos óbvios nem sempre ajudam a criar uma atmosfera sombria e inquietante; é necessário que o espectador seja envolvido pelas técnicas empregadas pela direção. Isto é algo que Doron e Yoav Paz não alcançam o tempo todo, fazendo com que algumas sequências soem mais monótonas do que apreensivas.
Mas, ainda assim, confesso que admiro os esforços do roteiro, que eventualmente conseguem conferir alguma complexidade dramática aos personagens e às suas ações. É uma pena, portanto, que o filme em si não faça jus às suas ambições.