A Jornada de “Amazonas, o Maior Rio do Mundo” no Brasil

A Jornada de “Amazonas, o Maior Rio do Mundo” no Brasil

Uma Pérola da Cinematografia Nacional descoberta no Velho Continente: longa-metragem do cinema mudo de Silvino Santos tem sessões especiais e inéditas no Brasil

Por Clarissa Kuschnir

Até agora, data e hora desta matéria, o longa-metragem “Amazonas, o Maior Rio do Mundo”, de Silvino Santos, já teve três sessões especiais e inéditas no Brasil. Nosso site esteve em todas. Eu na Cinemateca Brasileira e nosso editor geral Fabricio Duque nas outras duas: no Fest Aruanda e na Cinemateca do MAM-Rio. Uma das últimas descobertas do nosso cinema da década de 20 atravessa o oceano. E foi lá no continente europeu, na República Tcheca (No Arquivo Nacional de Cinema) que foi encontrado o longa “Amazonas – O Maior Rio do Mundo”, do cineasta Silvino Santos. Realizado há mais de um século, o filme, que faz parte da história do cinema mudo do Brasil, e o primeiro a ser filmado na Amazônia, sequer passou pelas telas daqui quando ficou pronto. Com o filme nas mãos, o cineasta português (nascido em Cernache do Bonjardim e radicado no Brasil, mais precisamente em Manaus), acabou deixando seu filme com um agente, que o vendeu como se fosse dele, para fora do país. Até o nome do filme foi mudado, que o comercializou como “As Maravilhas do Amazonas”. O filme acabou fazendo muito sucesso fora do país. Esses eram fatos muito comuns, visto que na época não havia distribuidor de filmes no Brasil. Devido a isso, muito de nossa cinematografia, em especial da época do cinema mudo, foi perdida.

Mas eu acredito na expressão “Deus é brasileiro”, e assim o longa desaparecido desde a década de 30, com seus quase 70 minutos, foi recuperado, restaurado e digitalizado para que nós tivéssemos a alegria (um tanto quanto antropológica) de poder assistir essa pérola na tela grande. Sua estreia nacional (a primeira das três até agora) aconteceu na Cinemateca Brasileira, com sala cheia e direito a um debate com pesquisadores e especialistas sobre o diretor e fotógrafo que ficou conhecido como “o cineasta da selva” (título do filme realizado por Aurélio Michiles sobre o cineasta, em 1997 – que teve seu filme exibido no Fest Aruanda antes da sessão de Silvino Santos) e que fez muito sucesso na época com seu pioneiro longa documentário “No Paiz das Amazonas”, de 1922, e que em 1925, lançou outro grande sucesso que foi no “Rasto do El-Dorado”.

No evento da Cinema Brasileiro, no dia 22 de novembro de 2023, às 20 horas, pude ver a versão de “Amazonas – O Maior Rio do Mundo” com trilha feita por Luiz Henrique Xavier, compositor e professor do departamento de música da Unicamp. “Então vocês não só vão assistir a essa nova versão do filme com essa nova trilha, como terão o debate”, falou ao público presente Dora Mourão, diretora geral da Cinemateca Brasileira. Logo após a projeção, a mesa de debates foi composta pelo professores: Eduardo Morettin (do departamento de Cinema, Rádio e Televisão e do Programa de Pós- Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA-USP); Sávio Luis Stoco (Universidade Federal do Pará e autor do livro O Cinema de Silvino Santos: 1918-1922 – e que também esteve presente na mesa do Fest Aruanda); Luiz Henrique Xavier (Unicamp); a curadora Klára Trsková (Arquivo Nacional de Cinema da República Tcheca e grande conhecedora do cinema brasileiro), que participou da conversa de forma online. A mediação ficou por conta da jornalista Giuliana de Toledo, editora de Ambiente e do projeto especial Planeta em Transe, sobre mudanças climáticas.

O filme foi catalogado no Arquivo Nacional de Cinema em Praga como se fosse um filme dos Estados Unidos e do ano de 1925. E a minha colega que trabalha na nossa Cinemateca suspeitou que o filme não era dos EUA. Por isso ela decidiu contatar o curador Jay Weissberg, do Festival de Cinema Mudo em Pordenone (La Giornate del Cinema Muto – Pordenone Silent Film Festival), na Itália. E assim começou o processo de descoberta, pois aí entramos em contato com a Cinemateca Brasileira e com o professor Sávio Stoco que é responsável por essa descoberta, pois tivemos muitas informações sobre sua pesquisa. Se não fosse isso, não chegaríamos aqui essa noite”, falou Klára Trsková sobre o processo do longa até chegar ao Brasil. Klára complementou que o filme apareceu nos anos 70 em Praga, além de outros artigos da imprensa do ano de 1924 que já circulavam na distribuição na Tchecoslováquia. 

O filme “Amazonas – O Maior Rio do Mundo”, que já faz parte do patrimônio da Cinemateca Tcheca, abre um importante processo para que se haja mais pesquisas de outras obras de países chamados do Sul Global, e que foram perdidas em seus países. E sem dúvida, isso é de grande importância para o resgate da memória do nosso país onde pouco se fala sobre preservação. E por falar no filme, Silvino nos apresenta uma série de belas imagens como se fosse uma viagem da região amazônica sem deixar de mostrar a exploração do comércio local como a extração da borracha, cana-de açúcar, castanha, mandioca, peles do animais, madeira com a derrubada árvores (triste saber que isso nunca acabará! Será que um dia terá fim?). E como fica nítido também como o trabalhadores locais eram explorados (mesmo que o filme tivesse foco mais comercial na época), e os indígenas chamados de “índios selvagens”.

Após a Cinemateca Brasileira, Fabricio Duque esteve presente na sessão do Fest Aruanda 2023, que aconteceu 01 de dezembro, que contou com a dobradinha de “O Cineasta da Selva”, de Aurélio Michiles, antes de “Amazonas – O Maior Rio do Mundo”. Mas foi no dia seguinte que o público pode receber uma verdadeira aula de história, preservação e pesquisa. A mesa, intitulada “Painel: Viva Silvino Santos! A hora e a vez do Cinema Silencioso”, do festival paraibano teve a presença de Sávio Luis Stoco (Prof. Dr. da UFPA); Aurélio Michiles (diretor do filme “O Cineasta da Selva”); José Maria Lopes (jornalista/especialista em preservação cinematográfica); e mediação de Lúcio Vilar (Prof. dr. da UFPB e produtor executivo do Fest Aruanda). Assista AQUI ao debate completo! Ou assista no final desta matéria no tópico Conteúdo Adicional! 

Nosso editor também esteve presente na da Cinemateca do MAM-Rio, no Rio de Janeiro, que aconteceu dia 07 de dezembro de 2023. E para chegar à tempo (2 minutos depois do horário marcado, às 18 horas), atravessou a cidade em um uber “salvador”, visto que seu voo atrasou. Mas Fabricio Duque conta que valeu à pena. A sessão não teve dobradinha, ainda que fosse exibido três minutos de “O Cineasta da Selva”, de Aurélio Michiles, para “ambientar o público”. Após o filme, o debate. Na mesa, o realizador e “craque” no tema Amazônia João Moreira Salles;  o representante da Cinemateca Brasileira Rodrigo Archangelo; o historiador que dispensa apresentações Hernani Heffner; e mediação do crítico de cinema Carlos Alberto Mattos, do blog Carmattos. Todo o debate foi gravado por Fabricio Duque, e assim esse arquivo se torna o único registro na íntegra. Confira tudo no vídeo acima (no topo desta matéria)!

Sim, agora o filme está aí para o mundo. E depois dessas sessões na Cinemateca Brasileira, em São Paulo; no Fest Aruanda, em João Pessoa, na Paraíba; e na Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, “Amazonas – O Maior Rio do Mundo” viaja para Fortaleza e Amazonas. E em 2024, terá exibição na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, Portugal.

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