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A Hora do Orvalho

Encontro geracional como transformação

Por Pedro Sales

Festival do Rio 2024

A Hora do Orvalho

Filho do lendário diretor Dino Risi, de “Aquele que Sabe Viver” (1962) e do original “Perfume de Mulher” (1974), o septuagenário Marco Risi explora conexões e conflitos geracionais no drama “A Hora do Orvalho“. Com respeito a certas convenções, mas com destreza suficiente para desviar da pieguice possível, a obra destaca a relação entre jovens e idosos. Os mais novos obrigados a servir na casa de repouso, os mais velhos deixados lá, ou voluntariamente “hospedados”. Dessa forma, o filme preserva um tom moralizante de aprender com as experiências e conexões forjadas naquele espaço. O egoísmo juvenil, por sua vez, dá espaço ao humanismo genuíno, como em várias outras narrativas correlatas a esta. O que há de diferente, aqui, é que o diretor de fato consegue imprimir emoção por mergulhar nas particularidades de cada um dos idosos hospedados e forjar efetivamente a conexão entre os jovens e eles.

O playboy Carlo (Alessandro Tella) causa um acidente de trânsito enquanto dirigia embriagado. Como pena, ele e Manuel (Roberto Gudese), outro amigo contraventor, embora não na mesma ocorrência, são condenados a prestar serviço voluntário na casa de repouso Villa Bianca. A recepção aos dois não é das melhores. Levados de camburão, ouvem atentamente às recomendações do diretor do local. “Não são velhos, são hóspedes”, alerta. O discurso é claro, logo vira piada na boca dos dois que contam aos risos para os amigos como foi primeiro dia de experiência. Nisso, cria-se a lógica dos bad boys que serão mudados pela experiência. Marco Risi faz isso de maneira direta, uma mudança quase repentina para Carlo e Manuel. Para o primeiro, por meio do contato próximo com Dino Rimoldi (Massimo de Francovich), ex-fotógrafo e um dos hóspedes mais lúcidos. Para o outro, uma mudança em razão do jeito brincalhão que contagia os idosos e até os outros colegas.

Nesse sentido, “A Hora do Orvalho” articula de maneira eficiente a mescla entre drama e comédia. As sacadas de Dino contra Carlo, os erros que a dupla comete no cuidado com os idosos e as festas ilustram esse tom mais cômico e leve bastante presente no filme, que permite liberdade à câmera para rodopiar e dançar no salão com os idosos. Convida o espectado àquele divertimento. Quando a obra se envereda para as subtramas dos idosos, porém, o tom torna-se mais grave e dramático. Pietro (Eros Pagni), um antigo militar, relata ter sido vítima de violência física do próprio filho, já Federico (Luigi Diberti), poeta famoso, enfrenta as complicações do Alzheimer. O diretor, aqui, não hesita em tirar a câmera de Carlo, o protagonista, para se inserir nessas pequenas narrativas que, de certa forma, trazem mais humanismo ao filme. Por mais que se trate da jornada de redescoberta do riquinho mimado, ainda assim são pessoas com feridas, deixadas na Villa Bianca, e contar as respectivas histórias faz com que a obra ultrapasse o clichê esperado da simples transformação.

Marco Risi consegue, então, divertir e emocionar com igual intensidade. Isso se dá, justamente, pela forma que constrói as relações, em especial de Dino e Carlo. Quando a montagem alterna o Natal na casa de repouso com o que o jovem passa em casa, torna-se evidente que era com os idosos com quem ele gostaria de estar. As performances de Fella e Francovich criam esse laço quase de paternidade ao longo da rodagem, com direito a conselhos de ambos os lados. Nesse aspecto reside uma das grandes potências narrativas do longa. Uma pena que outro ponto em que o diretor se dedica, o romance pretendido entre Carlo e a enfermeira Luisa (Lucia Rossi), pareça completamente artificial. As implicâncias soam mais convincentes que a repentina aproximação entre eles. Com exceção desta trama específica, que tenta se justificar pelas elipses que demonstram o passar das estações, a obra em si é bastante concisa, com momentos de ternura reforçados pela fotografia que valoriza o espaço, como a brincadeira na neve.

A Hora do Orvalho” opera, dessa forma, como o clássico feel good movie, um longa capaz de acessar o espectador emocionalmente e deixá-lo com o coração aquecido. Aqui é assim, não tanto pela transformação de Carlo, mais pelo cotidiano retratado na casa de repouso e a conexão do ex-contraventor com Dino. Há também uma abordagem realista daquele ambiente no que diz respeito às perdas e ao envelhecimento. O fim da vida para os idosos em casas de repouso, geralmente, acontece lá mesmo, ao lado dos demais hóspedes, longe da família. Não é por acaso a presença da capela em Villa Bianca. A sensibilidade presente no filme advém em certa medida do grau pessoal que a obra tem. Em sessão durante o Festival do Rio 2024, Marco Risi levanta-se da cadeira vestido como Carlo, conforme relata Rodrigo Torres em notícia publicada no portal do festival. Logo após constatar ele mesmo tal semelhança, o diretor revela que há inspiração do longa com sua própria relação com o pai. O conflito geracional, explica o cineasta, encontra equílibrio quando encontra o ponto de orvalho, título original do longa, de forma metafórica. Este é o momento que o vapor de água se condensa e se torna líquido, ou quando, por meio do convívio, os mais jovens se encontram com os mais velhos.

3 Nota do Crítico 5 1

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