A Grande Muralha Verde
Em busca do sonho africano
Por Vinicius Machado
Durante a Mostra de São Paulo 2019
Quando Fernando Meirelles abordou a Grande Muralha Verde na cerimônia de abertura das Olímpiadas do Rio, a passagem foi de extrema importância para projeto – iniciado em 2007 retomar sua importância ao mundo. Em consequência disso, ele foi convidado pela ONU para produzir um documentário a respeito da iniciativa, que pretende reflorestar uma área de cerca de 8 mil km de extensão do continente africano, na região do Sahel, para evitar a degradação de terra e desertificação.
Dirigido por Jared P. Scott, “A Grande Muralha Verde” acompanha esse projeto pelos olhos da cantora africana e ativista Inna Modja, que viaja para cada os países integrantes da União Africana para conversar e produzir um álbum com músicos locais e debater as causas dos problemas sociais da região.
Passando por Senegal, Nigéria, Etiópia, Mali e Niger, ela discute com moradores temas como racismo, conflitos políticos, grupos radicais islâmicos, crescimento populacional, alta taxa de natalidade e crise imigratória. Como a desertificação e alterações climáticas são determinantes para gerar crises. Ao mesmo tempo, a artista tenta trazer o lado mais humano de cara área, exaltando a riqueza de cada cultura e a força da população ao tentar sobreviver ali, sem precisar deixar sua terra em busca de uma vida melhor.
Ao trazer essas questões, Modja deixa muito claro que o problema da população está constantemente ligado ao clima e que diversos problemas seriam resolvidos se a tal Grande Muralha fosse concluída. Não só da África, mas a superlotação de imigrantes em países europeus também. Poucos nativos possuem o interesse em deixar suas famílias para trás, mas se veem na necessidade de arriscar suas vidas para conseguir sustentar suas mães, mulheres e filhos à distância. Além de proporcionar segurança a eles. Porém, o projeto está muito longe de se concluir, tendo somente 15% do processo realizado. Vale ressaltar que o custo é de cerca de US$ 4 bilhões e que muito provavelmente a geração atual nem chegue a ver a execução completa, se um dia isso acontecer.
Ao longo da narrativa, o filme se esquece um pouco do empreendimento para focar nos problemas mais atuais da África, com depoimentos fortes e emocionantes sobre cada país, como crianças que sofreram com o grupo radical Boko Haram, as pessoas que perderam seus parentes e amigos em barcos de imigração e até as próprias pessoas que tentaram, sem sucesso, chegar à Europa. Por sorte, o longa procura trazer leveza ao colocar movimentos culturais como parte da estrutura da narrativa. As sequências musicais ajudam o público a se manter firme em meio a tantos problemas.
Também é possível ver a força da evolução das comunidades, que buscam ajudar uns aos outros constantemente. As escolas, os hospitais – a cena do parto é uma pancada no estômago, as instituições culturais e os próprios operários da Grande Muralha se ajudam da forma que podem para manter a população segura e esperançosa.
Dentro do contexto, as músicas produzidas também são boas, que exaltam a cultura africana e trazem um conhecimento ao espectador, que provavelmente fará uma busca pelos cantores e artistas que aparecem no filme. Poucos documentários fizeram tão bem esse trabalho de expansão quando esse. “Não precisamos de um herói da Marvel. Nosso Wakanda é Thomas Sankara”, diz um dos rappers com quem Modja trabalha, referindo-se ao líder militar de Burkina Fasso.
A jornada, no entanto, acaba se repetindo em alguns momentos. Por ter uma diretriz a seguir, Inna também se prende a conhecer os artistas locais, os problemas dos países e tudo as vezes parece engessado, embora nunca entediante. As imagens que destacam os contrastes de cada lugar ajudam na imersão do público. É tudo meticulosamente filmado e produzido, com imagens aéreas, closes nos rostos e nos olhos das pessoas, luzes naturais e cores vibrantes.
“A Grande Muralha Verde” pode, pela sua estética, parecer uma produção publicitária, já que é um projeto encaminhado pela própria ONU para arrecadar fundos. Mas nem de longe é um filme prepotente. Pelo contrário, é rico em informação e se faz necessário para entender ao menos algumas causas dos problemas na África. São os conflitos de um povo que tenta se encontrar em meio a tanta cultura e desigualdade. E apesar de todos os empecilhos, é uma história de esperança por dias melhores, e nada melhor que a música para unir e tornar isso possível.