A Candidata Perfeita
A metamorfose de uma borboleta em leoa
Por Fabricio Duque
Festival do Rio no Telecine
Exibido na mostra competitiva ao Leão de Ouro do Festival de Cinema de Veneza 2019, “A Candidata Perfeita”, novo filme da realizadora saudita Haifaa al-Mansour (de “O Sonho de Wadjda”, “A Felicidade Por um Fio” – este disponível na Netflix), que divide o roteiro com Brad Niemann) que agora integra a seleção da edição especial do Festival do Rio no Telecine, volta a corroborar o tema da esperança resiliente em um ambiente que precisa transformar sonhos em ações. O longa-metragem conduz espectadores por uma narrativa romanceada de intimista cotidiano privado-familiar, que necessita se expor publicamente para conseguir resultados. Por mais que sua diretora queira enunciar críticas ao governo e atentar à questão do machismo radical quase de ojeriza misógina (os homens ali veem as mulheres como crianças incapazes e “mais incompetentes”), “A Candidata Perfeita” não é um manifesto revolucionário (tampouco ameaçador e/ou extremista). Pelo contrário, é uma carta de amor em forma de filme. Ela apenas quer melhorar o lugar em que vive (um serviço social), respeitando a cultura e as tradições religiosas, em prol da comunidade, como por exemplo pavimentar a única rua de acesso à clínica hospitalar local.
“A Candidata Perfeita” não quer “problemas”, mas também não quer simplificar tudo com apenas “complicações”. A protagonista Maryam (a atriz Mila Al Zahrani) decide aprender a jogar o jogo. Ser firme, forte e determinada. Levantar a voz para ter voz. E aceitar as consequências de se viver ali: a lei (“jeito autoritário”) que manda ter um “guardião” homem para “permitir-liberar“ o trânsito do ir e vir. O filme traz sutis inferências externas, por exemplo, vídeos e receitas (de comida perfeita) vindas do Youtube. O que observamos é uma família de um pai, três filhas e uma mãe recém-falecida. Um ambiente de artistas músicas (do Centro Saudi de Artes e turnês de shows) e organizadores de festas e casamentos. Cada um ali sonha com o mais. Com um hospital melhor. Com um público maior. Com mais clientes. Tudo acontecendo durante o Eid al-Fitr, uma celebração muçulmana que marca o fim do jejum do Ramadã (oração e festas). Aos poucos, o tom do filme fica sinestésico. Nós vibramos com a luta iniciada de Maryam por um cargo na secretaria e os desdobrados limites. Ela busca adequar sua impotência ao sistema da campanha (baseando-se em um candidato norteamericano). Vídeo para informar sua plataforma. Campanha de arrecadação de fundos. Desfiles de moda. Entrevistas em um canal de televisão. Encontros com a oposição. Cada vez Maryam vê que deve aumentar a exposição e “ir mais longe”. Antes a voz, agora seu rosto. “Leoa em casa” e na rua. Não mais um “ratinho” ou “borboletas”, cavando uma mudança de visão por “questões de gênero”. Torna-se a “candidata do povo” e aumenta a voz, com “teimosia”, a ponto de gritar para encerrar ofensas.
Nós entendemos que a diretora tem um limite para abordar tudo isso. A solução para criticar sem criar animosidades (e perigosos impactos na cultura conservadora do local), é dançar conforme a música. Dar crédito à monarquia absoluta do Rei Salman bin Abdulaziz Al Saud, desde 2015, pelo atendimento total do pedido. “A Candidata Perfeita” não entra em conflito com o sistema e sim com representantes locais da pequena cidade saudita. Haifaa al-Mansour, ao criar um discurso redentor de um homem, inicialmente descrente, consegue atender o propósito de seu filme: de passar a mensagem que pequenas reações micro não perturbam o macro. E ainda resolvem com pacificidade todos os problemas carentes. O longa-metragem quer o conceito da ideia e não o aprofundamento. Quer resgatar a importância de união do local em que vive. Por mais que sutilmente saque a bola do nivelamento igualitário de homens e mulheres, mas para que isso aconteça, é preciso ir muito além e questionar a essência-base do islamismo, porque a comissão de sábios muçulmanos, seguindo as palavras de Maomé (movimento ortodoxo, internacionalista e ultraconservador, dentro do islamismo sunita), diz que “as mulheres são brinquedos; os homens têm autoridade sobre as mulheres; porque a mulher é deficiente em inteligência, em religião e em gratidão”. O autor Aïcha El Hajjami, em sua tese “A condição das mulheres no Islã: a questão da igualdade”, diz que tudo é “uma representação constituída por estereótipos, esquematizações reducionistas e por confusões conceituais”.