7 Cortes De Cabelo No Congo
Congo por ele mesmo
Por Paula Hong
Festival do Rio 2022
O eterno embate entre países colonizados e seus colonizadores é um tópico do qual extrai-se conversas acaloradas, energizadas e frutíferas — muitas delas capazes de servirem de combustível para a formação de grupos revolucionários (sejam eles grandes ou pequenos) cujo objetivo em comum é a independência integral do colonizador. Este é um dos sentimentos que o documentário “7 Cortes De Cabelo No Congo” imprime no espectador.
Em um singelo salão de beleza, as conversas orgânicas e intensas em conteúdo entre fregueses e comerciante são tão afiadas quanto a navalha que corta os cabelos e apara as barbas. Assuntos como, por exemplo, panafricanismo, imperialismo, guerras, exploração, nepotismo e exílio têm seu recorte focado na África e, em especial, no Congo. Dotados de uma grande consciência sobre a sua história, os congoleses e congolesas acrescentam aos tópicos muitas vezes iniciados por Fernando “Pablo” Mupapa, dono do local, com vivências fortemente ancoradas na história de seu país — são histórias individuais mas que se expandem para a explicação do pano de fundo histórico que, em alguns casos, os levaram à emigração ao Brasil.
Para a apresentação desse entrelaço, os diretores Luciana Bezerra, Gustavo Melo e Pedro Rossi recorrem a uma estrutura simples que valoriza o conteúdo explorado ao longo do filme em detrimento da criatividade que poderia dar mais dinamismo às conversas, tendo em vista a abundância das mesmas. No entanto, é interessante como a câmera alterna entre mostrar diretamente o rosto de quem fala com o seu reflexo no espelho — fala-se sobre seu país, sua história, seu povo, sobre si mesmo: um reflete o outro; este é reflexo daquele. Os planos que capturam aqueles rostos são básicos e muitas vezes estáticos, obedecendo à máxima da regra de três na composição visual dos planos. São usadas imagens de arquivo que preenchem e servem como pausa entre um corte de cabelo e outro, ora reforçando opiniões expressas pelos personagens, ora remetendo ao país sobre o qual se fala.
A unidade construída é quebrada quando as personagens falam não somente entre si, como também com os diretores — é possível interpretar que essa intervenção extra diegética permite proximidade com quem apenas assiste aquelas conversas, criando uma certa intimidade com as personagens, pois com tal recurso passa-se a conhecer histórias que carregam mais detalhes. É como se quem assiste fosse o próximo da fila que passa a interagir e a trocar ideias, perguntar, cessar curiosidades.
Em “7 Cortes De Cabelo No Congo”, a independência plena da África e, por extensão, do Congo, é um tópico recorrente dentro do filme. Dá-se largas voltas em torno do tema que permite a cobertura secular a respeito da histórica estrutura de dominação Europeia sobre os países colonizados — estrutura esta que impede a independência integral do continente. Países como Bélgica e França, com suas exigências estatais várias sobre os países africanos colonizados por eles, não permitem, ainda hoje, a independência plena destes países; ou seja, utilizam-se de artifícios como “prestação de contas” para dar continuidade à manutenção que garante domínio europeu sobre o continente africano. Através de diálogos simples e acalorados pelos ideais revolucionários, as personagens refletem um entendimento muito claro acerca das repercussões duradouras entre colonizado e colonizador.
Segundo as personagens, outra forma de manutenção do domínio é feita através do sistema educacional africano. A “mente de colonizado” admira tudo o que vem do colonizador, alimenta esse modo de pensar quando aprende na escola sobre a Europa e, desta forma, não valoriza a própria história. Assim, é alimentada, mesmo que inconscientemente, a dominação europeia sobre outros países. Em “O perigo de uma história única”, a autora Chimamanda Ngozi Adichie reflete sobre as decorrências violentas que um único prisma exerce na construção identitária e de independência de um povo. É a Europa que, com suas divisões e financiamentos à mão armada, utiliza-se desses recursos de implementação do caos generalizado como manutenção da situação vigente para assegurar-se no poder — tal qual o imperialismo, o capitalismo.
Com diálogos assertivos que apresentam um panorama histórico do continente, o resultado só poderia ser um: chamar o povo à luta. Entre as pausas que antecedem uma cena da outra, Pablo, que é cabeleireiro por necessidade mas artista de formação — formou-se na Escola de Belas Artes, no Congo — expressa criativamente em suas pinturas e também na música os 90 minutos que “7 Cortes De Cabelo No Congo” anseia em apresentar: um panfleto artístico de um manifesto que propõe a busca coletiva da independência continental africana.