10 obras para pensar a pós-modernidade
Audiovisuais para reflexão durante e após a COVID-19
Por Roberta Mathias
Que a sociedade na qual vivemos estava/está chegando ao seu esgarçamento limite, era claro. Sabemos que nossa falência moral, educacional, política e social vinha dando sinais desde antes do 11 de setembro (emblemático por atingir ao país que é símbolo do capitalismo do século XX). Em uma entrevista, hoje (09/04/20), a historiadora Lilia Schwarcz disse:
“Acho que essa nossa pandemia marca o final do século 20, que foi o século da tecnologia. Nós tivemos um grande desenvolvimento tecnológico, mas agora a pandemia mostra esses limites. É impressionante como um uma coisinha tão pequena, minúscula, invisível, tenha capacidade de paralisar o planeta. É uma experiência impressionante de assistir. Eu estava dando aula em Princeton [universidade nos EUA], e foi muito impressionante ver como as instituições foram fechando. É uma coisa que só se conhecia do passado, ou de distopias, era mais uma fantasia”. Leia o artigo completo AQUI!
Talvez os filmes de distopia não estejam, então, tão distantes da realidade que vivemos. Sugiro essa lista sem me basear na linguagem, nem no formato, mas apenas nos argumentos. Filmes que mostrem nosso fim e um possível processo iniciático. O que virá depois? Somente os cineastas e estudiosos futuros serão capazes de dar conta.
YEARS AND YEARS (2019, Reino Unido, Série HBO, Primeira Temporada, 6 episódios)
Talvez uma das melhores séries dos últimos anos. Ácida, crítica e terrivelmente próxima à um futuro que podemos vislumbrar. A série se inicia no final de 2019 e acompanha a derrocada do sistema capitalista, dos costumes e dos corpos humanos(tal como os conhecemos) durante os próximos 10 anos. Para quem gosta de ficções que unam distopia com reflexão social.
A sinopse nos conta o dia-a-dia da família Lyon e suas limitações. Mas tudo parece piorar quando, em uma noite crucial de 2019, a história do clã avança quinze anos no futuro. É central para história o fato de cada um dos irmãos ter empregos e temperamentos distintos- temos um bancário, um servidor de políticas públicas para estrangeiros que entraram ilegalmente no país( uma das tramas mais interessantes da série) e uma ambientalista/ativista. Há ainda , a irmã que cede às promessas da populista vivida por Emma Thompson, mesmo morando em uma das regiões mais pobres da cidade. Eles, então , encontram um mundo bem pior do que esperavam: mais quente, barulhento e fora de controle. Será que uma família disfuncional – importante lembrar que estamos nos referindo à um padrão de família “ideal” aos olhos da sociedade aristocrática inglesa, por isso mesmo se torna importante o fato da narrativa se dar a partir dessa perspectiva- será capaz de superar seus traumas para ajudar à não eliminação completa da humanidade?
10 obras para pensar a pós-modernidade
EXPRESSO DO AMANHÃ (Snowpiercer, 2013, Coreia do Sul, 127 minutos, de Bong Joon-Ho)
Antes de estourar com Parasita, o diretor Bong Joon-ho fez um filme interessantíssimo que passou batido pela crítica e pelos espectadores. É verdade que Joon-ho já havia dado provas do que era capaz anteriormente com o excelente “O Hospedeiro”(2006), mas “Expresso do Amanhã” (2013) surpreende por parece inicialmente mais um filme razoável sobre distopias. No entanto, o diretor dá mais um passo em direção ao abismo (como diria nosso presidente). Faz uma crítica voraz ao capitalismo com um filme que se passa inteiramente dentro de um trem que leva os últimos sobreviventes da Terra. Como conseguem conviver e estabelecer suas regras? Pois é…. Seguindo a linha da primeira dica, esse para aqueles que gostam de ficções reflexivas (gênero no qual Joon-ho parece ser mestre). Todas as críticas (incluindo essa em questão) do diretor podem ser lidas AQUI no Especial Bong Joon-Ho.
10 obras para pensar a pós-modernidade
A GRIPE (Flu, 2013, Coreia do Sul, 122 minutos, de Sung-Soo Kim)
Para quem tem coração e estômago fortes, devido ao momento que passamos. Sung-Soo Kim consegue fazer um bom filme sobre uma epidemia que se alastra( te lembra algo?) a partir de Seul. É um ótimo terror/thriller. Os que gostam do gênero possivelmente terão entretenimento e passarão por um tanto de sofrimento pensando nos fatos decorrentes à epidemia.
A sinopse nos conta que Bundang, no subúrbio de Seul, está passando por uma epidemia devastadora. Byung-woo (Erik Scott Kimerer) morre em decorrência de um vírus desconhecido. No início, o vírus não recebe importânica, e a população não se previce. Em pouco tempo, centenas de moradores da região são atingidos pelo vírus. O caos de instaura. O governo do país pede isolamento da área. Enquanto isso, um especialista procura o sangue que será capaz de desenvolver a vacina contra o vírus.
10 obras para pensar a pós-modernidade
FILHOS DA ESPERANÇA (Children of Men, 2006, Estados Unidos, 114 minutos, de Alfonso Cuarón)
Alfonso Cuarón em seu melhor. Toca em uma questão fundamental para a sobrevivência da espécie: a reprodução. A partir daí Cuarón consegue nos amarrar em uma trama doída que coloca nossos limites éticos em jogo. Aliás, vale sublinhar que essa questão da ética é quase central em todos os filmes da lista, pois mexe com o que nos conecta enquanto sociedade.
A sinopse. 2027. Não se sabe o motivo, mas as mulheres não conseguem mais engravidar. O mais novo ser humano morreu aos 18 anos e a humanidade discute seriamente a possibilidade de extinção. Theodore Faron (Clive Owen) é um ex-ativista desiludido que se tornou um burocrata e que vive em uma Londres arrasada pela violência e pelas seitas nacionalistas em guerra. Procurado por sua ex-esposa Julian (Julianne Moore), Theodore é apresentado a uma jovem que misteriosamente está grávida. Eles passam a protegê-la a qualquer custo, por acreditar que a criança por vir seja a salvação da humanidade.
10 obras para pensar a pós-modernidade
2046 – OS SEGREDOS DO AMOR (2046, 2004, China, 129 minutos, de Wong Kar-Wai)
Aproveitando o gancho anterior: O que nos faz humanos? O filme de Wong Kar-Wai, que mistura uma narrativa que mescla ficção científica à realidade fílmica – até difícil pensar em quais palavras usar, já que a história parte de uma escritora falando sobre um hipotético futuro, mas as narrativas se misturam – não é dos meus favoritos do diretor, mas ainda assim merece estar na lista por conta da temática e da maneira como ele movimenta esses dois mundos em sua narrativa.
A sinopse. O escritor Chow Mo-Wan (Tony Leung Chiu Wan) retorna a Hong Kong para escrever um romance. Ele se hospeda em um hotel barato em Wanchai, assumindo a personalidade de playboy e conquistador. Chow inicia uma série de relações amorosas com quatro diferentes mulheres que se hospedam no quarto 2046, que fica em frente ao seu. Enquanto isso, atormentado pelas lembranças dos anos que passou em Cingapura, Chow escreve uma história de ficção científica chamada “2046”. Na história os passageiros de um trem fazem uma interminável viagem rumo a um destino misterioso, onde esperam reencontrar suas memórias perdidas.
10 obras para pensar a pós-modernidade
BRANCO SAI, PRETO FICA (2014, Brasil, 93 minutos, de Adirley Queirós)
Para falar em documentário ficcional sobre distopia no Brasil é necessário passar por “Branco Sai, Preto Fica”. Na trama Adirley Queirós ,além de se arriscar por um gênero não tão trabalhado em nosso país consegue brilhantemente falar sobre território, gênero e os reflexos sociais que isso causa no Brasil real ,através de uma ficção. É o horror da ficção que parece realidade e, da realidade que parece ficção.
Uma obra de arte política, de anarquizar mesmo o que sabe que não se pode mais mudar. “A música (transcendental do forró) era uma tentativa de dialogar com o popular. Sem cumplicidade o filme não tem sentido e quando um personagem entra, ele cria narrativa própria. Quando um ator sente ser um ator, daí a gente inventa. Eu só gravava quando se tinha a vontade de gravar. O cenário foi todo construído com engenharia mecatrônica. As verbas de um filme constituem um espaço político. Meu público alvo? Seis bilhões e ainda os intergaláticos. Eu não gosto de Brasília. É um lugar de contradição. E ganhei simbolicamente o Festival de lá. Mais importante que o filme é saber que o cinema é importante. Ganhar é relativo. O massa é que a renda foi distribuída entre os concorrentes. Mas Festival legitima o edital”, discursou o diretor Adirley Queirós. Leia a crítica completa AQUI!
10 obras para pensar a pós-modernidade
METRÓPOLIS (Metropolis, 1927, Alemanha, 153 minutos, de Fritz Lang)
Não poderia faltar o clássico que influencia direta ou indiretamente todo cineasta que trabalha com ficção científica. O filme de Fritz Lang, já fala sobre luta de classes e deterioração do sistema mercantil. Previsão ou destino? Lembrando que ali, pertinho, em 1929 passaríamos pela Grande Depressão.
A sinopse. Metrópolis, ano 2026. Os poderosos ficam na superfície, onde há o Jardim dos Prazeres, destinado aos filhos dos mestres. Os operários, em regime de escravidão, trabalham bem abaixo da superfície, na Cidade dos Trabalhadores. Esta poderosa cidade é governada por Joh Fredersen (Alfred Abel), um insensível capitalista cujo único filho, Freder (Gustav Fröhlich), leva uma vida idílica, desfrutando dos maravilhosos jardins. Mas um dia Freder conhece Maria (Brigitte Helm), a líder espiritual dos operários, que cuida dos filhos dos escravos. Ele conversa com seu pai sobre o contraste social existente, mas recebe como resposta que é assim que as coisas devem ser. Quando Josafá (Theodor Loos) é demitido por Joh, por não ter mostrado plantas que estavam em poder dos operários, Freder pede sua ajuda. Paralelamente Rotwang (Rudolf Klein-Rogge), um inventor louco que está a serviço de Joh, diz ao seu patrão que seu trabalho está concluído, pois criou um robô à imagem do homem. Ele diz que agora não haverá necessidade de trabalhadores humanos, sendo que em breve terá um robô que ninguém conseguirá diferenciar de um ser vivo. Além disto decifra as plantas, que são de antigas catacumbas que ficam na parte mais profunda da cidade. Curioso em saber o que interessa tanto aos operários, Joh e Rotwang decidem espioná-los usando uma passagem secreta. Ao assistir a uma reunião, onde Maria prega aos operários lhes implorando que rejeitem o uso de violência para melhorar o destino e pensar em termos de amor, dizendo ainda que o Salvador algum dia virá na forma de um mediador. Mas mesmo este menor ato de desafio é muito para Joh, que ouviu a fala na companhia de Rotwang. Assim, Joh ordena que o robô tenha a aparência de Maria e diz para Rotwang escondê-la na sua casa, para que o robô se infiltre entre os operários para semear a discórdia entre eles e destruir a confiança que sentem por Maria. Mas Joh não podia imaginar uma coisa: Freder está apaixonado por Maria.
10 obras para pensar a pós-modernidade
BLACK MIRROR (2011-2019, Reino Unido, Série NETFLIX, Cinco Temporadas, 22 episódios)
Como já quebrei algumas regras, colocarei aqui também Black MIrror. A série ,em minha percepção ,tem a grande vantagem de levar discussões sérias sobre política e sociedade ao grande público. Sucesso na plataforma Netflix , cada temporada é esperada ansiosamente pelos fãs. Credito à isso a capacidade de tocar em assuntos sérios, mas sem medo de se auto afirmar como entretenimento. Dessa maneira, ela segue forte em suas temporadas com um ou outro destaque ( The Entire History of you, White Bear, Hang the Dj), mas sempre tocando em assuntos atuais como a tecnologia , o sistema político falido(mais uma vez) e a corporalidade.
Uma espécie de híbrido entre “The Twilight Zone” e “Tales of the Unexpected”, Black Mirror explora sensações do mal-estar contemporâneo. Cada episódio conta uma história diferente, traçando uma antologia que mostra o lado negro da vida atrelada à tecnologia.
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A CHEGADA (The Arrival, 2016, Estados Unidos, 118 minutos, de Denis Villeneuve)
Não dá para dizer que o filme de Denis Villeneuve é simples, mas ele é simplório no sentido de nos tocar no que há de mais básico para organização social, a capacidade de comunicação. Para além da questão da percepção temporal(Bergson e Deleuze possivelmente iriam adorar o filme) , é a nossa capacidade de interlocução que é colocada em jogo. Em um mundo nos quais os países são incapazes de criar vínculos para além da necessidade do poderio total, é o “ser” de fora que vem nos lembrar que tudo é convenção social. Nossa linguagem, nossa corporalidade, nossa percepção temporal, nossa capacidade de comunicação- a linguagem. Talvez seja um filme interessante para pensar sobre nossas decisões pós COVID-19.
“A Chegada”, que está indicado ao Oscar 2017 em oito categorias (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Edição, Melhor Design de Produção, Melhor Edição de Som e Melhor Mixagem de Som), é acima de tudo um filme sobre não esquecer e sobre a arte de se comunicar. Com narração pessoal de lembranças fragmentadas em elipses que vão e vem (dando de forma homeopática peças para montar o quebra-cabeças dos estágios da filha da personagem à morte), fotografia névoa que ambiente desesperançoso – e etéreo à moda de Terrence Malick e seu “Árvore da Vida” – de melancolia resignado (a espera do fim), e música sentimental que define o tom narrativo. “Memória é algo estranho. Estamos presos ao tempo e à ordem”, diz-se. Leia a crítica completa AQUI!
10 obras para pensar a pós-modernidade
GATTACA (1997, Estados Unidos, 121 minutos, de Andrew M. Niccol)
Não adianta, entra ano e sai ano, “Gattaca” entra na lista de meus filmes de distopia favoritos- pelo mesmo motivo de Black MIrror. Andrew M. Niccol juntou os, então, estourados Ethan Hawke e Uma Thurman em uma distopia que parecia distante, mas hoje já podemos, por exemplo, escolher a cor dos olhos de nossos bebês. “Gattaca” é tão aterrorizador quanto Branco Sai, Preto fica, não pelo formato, nem pela crueza- Queirós é bem mais ácido, porém pela capacidade de nos fazer pensar em uma sociedade na qual efetivamente todos os corpos e mentes serão julgados sob pena de morte. A busca da perfeição para o ser mais imperfeito de todos: o humano.
A sinopse. Num futuro no qual os seres humanos são criados geneticamente em laboratórios, as pessoas concebidas biologicamente são consideradas “inválidas”. Vincent Freeman (Ethan Hawke), um “inválido”, consegue um lugar de destaque em corporação, escondendo sua verdadeira origem. Mas um misterioso caso de assassinato pode expor seu passado.
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