Um Lobo entre os Cisnes

Tudo, menos delicado

Por Vitor Velloso

Um Lobo entre os Cisnes

Muitas figuras da história cultural do nosso país não possuem — e algumas talvez nunca venham a possuir — o verdadeiro reconhecimento que merecem, especialmente em vida. São inúmeros os nomes que poderíamos citar, inclusive em outras áreas, e não apenas na cultura. “Um Lobo entre os Cisnes”, de Marcos Schechtman e Helena Varvaki, procura homenagear Thiago Soares, primeiro bailarino do Royal Ballet de Londres até o ano de 2019. Thiago Soares nasceu em São Gonçalo e foi criado no bairro de Vila Isabel.
Essa última informação aparece no longa-metragem como um fator determinante para sua postura combativa, seus atrasos para as aulas, entre outros aspectos.

Contudo, além de a ambientação do subúrbio carioca ser feita às pressas — sem que esse espaço se integre efetivamente ao desenvolvimento narrativo —, Thiago é interpretado por Matheus Abreu, que demonstra grande dificuldade em não transformar a postura suburbana em um cacoete severo na atuação. Há um processo desgastante na tentativa de apreciar “Um Lobo entre os Cisnes” nesse contexto suburbano: sua “marra” é descontextualizada, sua fisicalidade — fator decisivo na interpretação de Thiago — é prejudicada pelo esforço constante em andar com os pulsos para frente e os ombros caídos.

Além da distração provocada por esses vícios do estereótipo geral acerca do carioca suburbano, há um excesso de ênfase no roteiro em explicar que o protagonista não é gay e que todo o universo ao seu redor sente profunda atração ou admiração por ele. Essas questões de roteiro, interpretação e desenvolvimento dramático desviam a atenção do espectador para aspectos secundários da narrativa, ou mesmo para pontos que o próprio filme não se propõe a desenvolver, criando uma disritmia questionável ao longo da projeção.

Da mesma forma que o público encontra dificuldade para se envolver com uma história frequentemente interrompida por esses asteriscos e notas de rodapé, a narrativa também se mostra desajeitada ao tentar entrelaçar o hip-hop e o balé na vida do protagonista. Esses elementos são usados apenas como dispositivo para a relação de Thiago com Dino Carrera (Darío Grandinetti), ou para mais um diálogo expositivo em que o protagonista afirma que “hip-hop é sua vida”, sem que isso tenha, de fato, o peso necessário. Este problema se repete ao longo do projeto: elementos que teoricamente são centrais à narrativa acabam recebendo um desenvolvimento atabalhoado. A própria relação com Dino Carrera segue um modelo engessado entre mestre e pupilo, como já visto em outras produções cinematográficas que exploram esse tipo de dinâmica. Além disso, o longa-metragem “Um Lobo entre os Cisnes” não se debruça de fato sobre esse processo, limitando-se a mirar o fim dessa trajetória e atropelando-se para chegar ao momento de êxtase — que, por sua vez, é interrompido pela tentativa de dramatizar uma despedida que todos os espectadores já esperam.

“Um Lobo entre os Cisnes” acaba sendo mais burocrático do que pretendia, apoiando-se em uma trilha sonora pouco agradável, personagens que funcionam apenas como dispositivos ou trampolins, e um reforço constante na tentativa de afirmar a sexualidade do protagonista — algo que pode facilmente aborrecer o espectador. Além disso, a falta de objetividade na relação entre a história e o subúrbio carioca reflete-se também na forma como o longa acelera seu desfecho de maneira brusca, recorrendo, previsivelmente, às cartelas textuais. Se houvesse um cuidado maior com os personagens secundários (incluindo a tia de Thiago) e uma tentativa de contextualizar melhor esse espaço social e geográfico (constantemente presente nos materiais de divulgação), teríamos, pelo menos, um filme que trabalha à altura de seu protagonista, abordando com mais acurácia as questões de idade, adotando uma postura mais rígida sobre as espacialidades da cidade e os dramas que Thiago enfrentou.

Por fim, o longa, um lançamento da Vitrine Filmes, parece tão comprometido em criar uma homenagem, que soa artificial em todas suas particularidades, fortalecendo uma ideia de um filme com pouca criatividade e uma biografia que recai em um lugar comum, com todos gatilhos e vícios estabelecidos pela indústria. Infelizmente, “Um Lobo entre os Cisnes”, que esteve presente na pré-lista dos filmes representantes brasileiros por uma indicação ao Oscar 2026, se vangloria tanto de estar trabalhando seu objeto, que o ignora, seja por fragilidade no roteiro ou orgulho de si, como quem tenta demonstrar tamanha “desconstrução” que passa a se complicar antes mesmo de ser questionado.

2 Nota do Crítico 5 1

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